Antes de tudo, cabe consignar que a greve é um ato político que o direito apreendeu como um instituto que se exerce por meio de deliberação coletiva, atendidos os pressupostos de representação e de participação democrática. Neste contexto estritamente jurídico, uma vez deflagrada a greve, como um direito coletivo, restam em suspenso os interesses pessoais daqueles que se viram vencidos (ou não quiseram participar) na deliberação.
Também aqueles que são atingidos pela greve não podem sobrepor os seus interesses à própria greve, como se ela não existisse, até porque a greve é o momento em que as coisas ficam fora de lugar, para que se possa, a partir do necessário debate instaurado, reconstruir dialética a realidade precedente. Não há, pois, uma realidade paralela, que se mantenha inabalada diante de uma greve.
E a greve, como mecanismo de instauração do debate em torno das reivindicações formuladas e instrumento das pessoas que, de outra forma, não seriam seriamente ouvidas, é a essência da democracia.
Considerando que a greve, ao quebrar a rotina e a “normalidade”, gera a impressão de causar transtornos, quando, de fato, os transtornos, para aqueles que reivindicam já estava postos, falar dos “incômodos” gerados pela greve é desconsiderar a existência da própria greve e, neste desvio, obstar o debate sobre o conteúdo das reivindicações. Apenas ter olhos para os “transtornos” da greve, com o objetivo de evitar ouvir o conteúdo do que se pleiteia, é, essencialmente, um ato antidemocrático.
Como um preceito fundamental, ligado às liberdades de manifestação e de autodefesa, a greve, inclusive, não é restrita a nenhum grupo social específico. Todas as pessoas com interesses comuns e social ou setorialmente interligadas, podem se organizar coletivamente e atuar, por meio da greve, na defesa desses interesses.
A greve de estudantes, portanto, é inquestionavelmente, uma liberdade, que nenhuma norma jurídica ou ato de força pode obstar, sob pena de negação da própria ordem democrática.
Com base nestes pressupostos, os professores do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social, em deliberação por maioria de votos, expressam:
- total apoio e respeito ao movimento grevista deflagrado pelos estudantes da USP e da Faculdade de Direito, em particular, por meio do anúncio da suspensão das aulas enquanto durar a greve, até porque qualquer iniciativa de manutenção das aulas neste período representa uma forma ilegítima de punição daqueles e daquelas que estão exercendo um direito fundamental;
- plena adesão à pauta de reivindicações que embasam o movimento, contratação imediata de professores e implementação de um efetiva política de permanência, e que, no fundo, estão estreitamente ligadas ao necessário projeto da constituição de uma universidade verdadeiramente pública;
- discordância com relação a qualquer ato que busque impedir ou ameaçar o exercício do direito de greve na sua totalidade, lembrando que qualquer contrariedade, do ponto de vista da perspectiva individual, deve ser manifestada no ambiente próprio da Assembleia.
Cumpre, por fim, expressar que a presente posição decorre, igualmente, de respeito à deliberação coletiva dos professores e professoras da USP, definida em assembleia no último dia 26 de setembro, em assembleia chamada por sua entidade representativa, a ADUSP. A deliberação em questão foi no sentido da “paralisação” das atividades docentes até a realização da próxima assembleia, que terá no lugar na próxima segunda-feira, às 16h, em local a ser posteriormente anunciado, quando o tema da greve de professores será pautado.
São Paulo, 27 de setembro de 2023.