Jorge Luiz Souto Maior(*)
“Ta lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto uma foto de um gol
Em vez de reza uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém”
(Aldir Blanc – De frente pro crime)
Final de ano é o momento tradicional de se realizar uma retrospectiva, pela qual são destacados os fatos marcantes do ano que termina. A visão de mundo, no entanto, interfere muito nesta seleção e avaliação dos fatos. Em certa medida, as retrospectivas com grande difusão midiática acabam servindo para construir uma narrativa histórica que visa reafirmar a inexistência da sociedade de classes, afastando, por completo, a perspectiva da classe trabalhadora, que, assim, é conduzida a reproduzir, de forma alienada, as angústias e os desejos da classe dominante.
No especial da Globo, com 1h40, nenhum dos fatos narrados aqui foram mencionados, nem mesmo indiretamente, pois denunciar a precarização das condições de trabalho não condiz com os interesses econômicos e as convicções ideológicas da grande imprensa. Os trabalhadores e as trabalhadoras até são visualizados, mas como supostos heróis e heroínas, jamais como vítimas de um movimento avassalador de supressão de direitos, como poucas vezes visto na história do país.
O ano de 2020 ficará marcado como um dos anos mais difíceis para toda a humanidade por conta dos desafios e sofrimentos impostos pela pandemia de COVID-19. Mas a grande marca deste ano, que ainda se tenta abafar nas retrospectivas, foi a necessidade de se colocarem em confronto com algumas das concepções que foram forjadas como dominantes (ao ponto de se apresentarem como quase inquestionáveis) na era neoliberal: o individualismo; a desvalorização do trabalho; o rebaixamento do papel do Estado; o fortalecimento das grandes corporações; a busca incansável de status, reforçada pela difusão generalizada do mundo da visibilidade virtual das redes sociais na internet.
Durante a pandemia e a imposição do isolamento social foram obrigatoriamente recuperados a importância da solidariedade, do gerenciamento social do Estado e da essencialidade do trabalho e, consequentemente, do trabalhador e da trabalhadora.