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Jorge Luiz Souto Maior
O Brasil vive uma onda de moralidade. Isso, obviamente, não é ruim. O ruim é se o argumento da moralidade for seletivo, servindo unicamente ao propósito de atender a alguns interesses, nos quais não se incluam os anseios da classe trabalhadora. Ora, na perspectiva dos trabalhadores o que é essencial para “passar o Brasil a limpo” é, minimamente, o respeito aos seus direitos conquistados ao longo de décadas de lutas e sacrifício de vidas. A história do Brasil é marcada pelo desrespeito reiterado aos direitos trabalhistas, tendo-se chegado mesmo à institucionalização da prática ilegal, apoiada na impunidade, a partir do argumento moralmente condenável de que no Brasil os trabalhadores têm direitos demais. Jorge Luiz Souto Maior
No texto, “Dialética das Manifestações”, publicado em março de 2015[1], escrevi: “O PT ruiu moral e ideologicamente e é por demais importante que a esquerda brasileira reconheça isso de uma vez, para que os argumentos da moralidade, que embora possam ser desprovidos de uma materialidade imanente, mas que não são de modo algum desimportantes, apropriados pela direita, não continuem quebrando a tradição histórica da esquerda de apontar as dissimulações da exploração da força de trabalho. É importante, ademais, que o próprio PT, se em algum dia foi um partido de esquerda, tenha a honradez de sofrer sozinho as conseqüências de seus desmandos, não querendo levar consigo, em conversa de afogado, a esquerda brasileira, os movimentos sociais e as mobilizações sindicais, que, paradoxalmente, impulsionados pelas manifestações de junho de 2013, encontram-se em franca ascensão. O Manifesto do PT, recentemente publicado, é uma tentativa desesperada de auto-salvação, que chega a se constituir um autêntico escárnio à consciência ao buscar criar a fantasia de que as manifestações de março de 2015 instauraram uma luta da direita contra os avanços sociais promovidos pelo PT, que estaria, assim, sendo atacado não pelos seus defeitos, mas pelos seus méritos. Reproduzindo uma lógica já tradicional, o PT se declara de esquerda e transforma todos que são contrários à salvaguarda do Partido em inimigos ou em membros da direita golpista.” E a coisa em vez de melhorar parece estar piorando, pois cerca de 60 (sessenta) entidades, dentre elas MST, CUT e UNE[2], ligadas a movimentos sociais, resolveram, publicamente, sair em defesa do ex-Presidente Lula contra o que chamam de perseguição, mesmo após empreiteiras – que não foram desmentidas por ninguém – terem admitido que realizaram – sem serem remuneradas por isso, ou seja, gratuitamente – reformas em um sítio de propriedade de um sócio do filho do ex-Presidente, que é assiduamente freqüentado pelo ex-Presidente, e um tríplex no Guarujá, que quase foi adquirido pelo ex-Presidente, mas cujo verdadeiro proprietário também ninguém sabe quem é. Ora, que o ex-Presidente tem todo o direito de possuir propriedades ninguém há de negar. Aliás, não se está dizendo que tais imóveis sejam de sua propriedade, pois a questão de fundo nem é essa. É evidente, também, que, do ponto de vista jurídico, não se pode negar ao ex-Presidente o seu direito fundamental à ampla defesa, que inclui a presunção de inocência, resultando disso a pertinência do repúdio à condenação pública prévia que parte da grande mídia tem feito do ex-Presidente, até porque esse pressuposto serve a todos os cidadãos brasileiros, assim como à forma desmedida e sem o devido respeito às garantias processuais e jurídicas com que se tem invadido e exposto a vida privada do ex-Presidente, destacando-se, também, a desproporcionalidade como essa mesma mídia trata os erros cometidos por políticos de outros partidos, ao mesmo tempo em que se mostra conivente com as inúmeras ilegalidades praticadas por uma quantidade enorme de entidades e personalidades, notadamente no que se refere aos direitos dos trabalhadores, chegando ao ponto de defender tais atitudes publicamente. Certo, ainda, que merecem ser denunciadas a utilização seletiva da lógica punitiva e a forma como os conservadores se valem da situação para, sem qualquer relação de causa e efeito, apenas com o uso da força da propaganda, propor retrocessos e estimular uma pauta-bomba no Congresso Nacional. E é oportuno ressaltar que esse tema em nada se relaciona com o pedido de impeachment da Presidenta Dilma, que ao menos até o momento não possui nenhuma base material e seu manejo, da forma como foi conduzido, representa, sim, uma ofensa ao Estado Democrático de Direito. Mas daí a sair em defesa do ex-Presidente com o argumento de que a reforma bancada pela empreiteira no referido sítio “é a coisa mais natural do mundo”[3] vai uma distância enorme que os movimentos sociais que reivindicam a realização de justiça social não podem deixar de reconhecer, sob pena de perecimento da utopia que alimenta seus atos e suas reivindicações. Não se pode, ademais, cair na armadilha da adoção da linha de que o processo tem cunho político porque, afinal, a política está em tudo, incluindo a própria atuação dos movimentos sociais, os quais devem, na essência, recusar toda e qualquer forma de concessão de privilégios a cidadãos “diferenciados”. Ora, a ligação promíscua do ex-Presidente com empreiteiras, independente do que essa relação tem de legal ou ilegal (o que deve ser apurado pela vias regulares dos poderes institucionalizados, com o necessário respeito às garantias processuais), deve merecer dos movimentos sociais o mais alto repúdio, afinal o fruto dessa relação próxima do governo com as empreiteiras, que se aprofundou no longo período de preparação para a Copa de 2014, foi o que motivou o grave retrocesso para a classe trabalhadora da retomada da pauta pela ampliação da terceirização. Lembre-se, ademais, que no governo Lula não houve avanço concreto de direitos trabalhistas e um dos principais trunfos do argumento dos avanços sociais, o Minha Casa Minha Vida, não se desatrelou do interesse das grandes empreiteiras, o que se verificou, igualmente, em Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, tudo regado a muita terceirização, supressão de direitos e sacrifício de vidas. O que alimenta o sentimento de esquerda é a utopia de um mundo sem exploração do trabalho, justo e igualitário, e para se prosseguir nesta direção é fundamental manter um raciocínio imanente, percebendo as formas de exploração que favorecem o grande capital e que alimentam as acumulações e as desigualdades, além, é claro, de não naturalizar as mazelas de um sistema que perpetuam as injustiças. Enfim, o que o ex-Presidente Lula fez (ou deixou de fazer), para obter, ainda que indiretamente, benefício material decorrente da atuação de empreiteiras é, no mínimo, um desvio ético, sendo que na perspectiva da preservação das utopias de esquerda é completamente condenável. Ou seja, é incompatível com o movimento de esquerda visualizar a formalidade jurídica para legitimar uma atitude que atenta contra a sua própria razão de ser. Por mais razões que se tenha para perceber o quanto uma parcela reacionária da sociedade se aproveita da situação para impulsionar sua pauta, a defesa pública de Lula, nas condições em que os fatos se apresentam, baseando-se em argumentos que tentam ver como natural formas de relacionamentos do governante com o setor privado para favorecimento pessoal não é apenas um erro de estratégia dos movimentos sociais é um suicídio histórico, com o grave risco de arrastar consigo os sonhos de muita gente! São Paulo, 15 de fevereiro de 2016. [1]. http://www.esquerdadiario.com.br/spip.php?page=gacetilla-articulo&id_article=439, acesso em 14/02/16. [2]. http://www.jb.com.br/pais/noticias/2016/02/12/mais-de-60-entidades-fazem-ato-em-defesa-de-lula-na-proxima-quarta-feira/, acesso em 14/02/16. Esclareça-se que embora a AJD conste como integrante do movimento, a entidade, da qual sou membro, dele não participa. [3]. Como fez o ex-chefe de gabinete do ex-Presidente Lula, Gilberto Carvalho: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/02/1736737-reforma-em-sitio-e-a-coisa-mais-natural-do-mundo-diz-ex-ministro.shtml, acesso em 14/02/16. GRUPO DE PESQUISA TRABALHO E CAPITAL - FDUSP
PUBLICAÇÃO RESULTADO PROCESSO SELETIVO – 1º SEMESTRE/2016 - Alunos graduação FDUSP Beatriz Libonatti Leandro Zuffo Rodrigo de Almeida Gama - Alunos especialização FDUSP Deise Carolina Muniz Rebello Leonardo Lira Lima Sergio Gabriel Monteiro - Profissionais e graduandos/pós-graduandos outras entidades Cristiano Pereira de Araújo Daphnae Helena Picoli Douglas Godinho Fabrício Máximo Ramalho Janaina Loâine Ferreira João Guilherme Álvares de Farias Luciana Correia da Silva Luciano Ferreira Rodrigues Filho Savigny Batista Dias Sibele Thereza Gama Simonette Informações Início das atividades: 17/02 Horário: 18h30 Local: definição no início da próxima semana Atividades da primeira reunião: 1) Explanação do projeto (pelo coordenador) 2) Debate do texto: NETTO, José Paulo & BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2012; v. 1, pp. 27-40 (visualizável em: https://grupodepesquisatrabalhoecapital.wordpress.com/) |
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