Como já manifestado em outro texto[i], todo o movimento desse governo, tanto para ganhar apoio para existir, impulsionando o impeachment da Presidenta Dilma, quanto para sobreviver, quando se viu diante de notícias do envolvimento de alguns de seus membros com a Lava Jato, foi sempre no sentido de oferecer ao poder econômico algo em troca, qual seja, as tais “reformas estruturais”, notadamente, as reformas trabalhista e previdenciária.
Ora, essa manifestação, que é mais uma confissão do que uma defesa, revela, de uma só vez, o quanto o governo está atolado nas associações que fez com os interesses econômicos que estão refletidos nas reformas (que só atendem a esses interesses) e o quanto a denominada base aliada do governo no Congresso está comprometida com os propósitos do governo, não cumprindo, pois, sequer a sua função de legislar. Teríamos chegado ao ponto, aliás, de congressistas terceirizados e de um governo terceirizado, o que nos confere elementos, inclusive, para entender porque, afinal, acham tão natural a terceirização da atividade-fim.
A ilegitimidade desse processo legislativo, no ambiente, confessadamente, de “ruptura do processo democrático”, que se desenvolve à sorrelfa em favor de um setor específico da sociedade, que, em grande medida, se posta como um terceirizado do capital estrangeiro, é de uma evidência incontornável.
Dentro da lógica assumida do Estado de exceção, que foi alimentada por muitos no “oba-oba” de uma redução da política partidária a sentimentos rasteiros, nada impressiona, pois, como há muito venho dizendo[i], tudo pode acontecer, e já estamos atingindo o nível alarmante de se verem suprimidos, abertamente, direitos fundamentais de jornalistas, interferindo na própria liberdade de imprensa. Neste sentido, a ninguém é dado diminuir a importância da agressão sofrida pelo jornalista da Veja, Reinaldo Azevedo[ii], que foi, claramente, vítima de um ato de vingança institucional, vez que o jornalista vinha se manifestando contra o que considerava abusos da Lava Jato, ou, pior, por razões ideológicas, bater palmas para o ocorrido.
Ainda assim é assustador verificar que no estágio elevado da supressão democrática e com todos os interesses que se interligam à reforma trabalhista publicamente revelados o Presidente e uma parcela do Congresso ainda tentem dar prosseguimento à votação do Projeto de Lei, como se nada tivesse ocorrido.
E chega-se ao ponto extremo da preocupação quando, na tarde do dia 24/05/17, Temer edita um Decreto, autorizando o emprego das Forças Armadas para conter uma manifestação contra o PL.
Mas só conseguem com tudo isso aprofundar ainda mais, se é que possível, a ilegitimidade de todo esse processo legislativo, demonstrando, novamente, o quanto a reforma trabalhista, tal como idealizada e formalizada, foi completamente dissociada de preocupações relativas à efetiva melhoria da econômica e das condições sociais dos trabalhadores.
Trata-se de um documento feito às pressas, sem qualquer discussão mais profunda, séria e honestamente democrática. Segundo se noticia[iii], isso, ademais, está revelado no próprio relatório que, no dia 23/05/17, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, foi considerado lido (sem que tenha sido), ao se explicitar que existem problemas no Projeto, recomendando-se ao Presidente que promova, por meio de Medidas Provisórias, várias alterações no texto aprovado, além de vetos a diversos dispositivos.
Esse açodamento escancara a perversidade que o PL constitui para com a classe trabalhadora. Mas, mais do que isso, demonstra que o governo e sua base aliada deixaram até mesmo o patamar do atendimento aos interesses do setor econômico e passaram para o plano da defesa de seus próprios interesses individuais, considerando que o oferecimento da entrega desse “pacote” possa lhes conferir algum álibi, não tendo o menor pudor frente ao fato de estarem, com essa atitude, levando o país ao caos social e ao desastre econômico.
Não há a mínima possibilidade de que se faça vista grossa a tudo isso, sob qualquer pretexto que seja. Todos esses fatos não se apagarão da história e restarão atrelados ao PL caso se insista em levá-lo adiante e se consiga aprová-lo. Os fatos virão sempre à tona no momento da avaliação jurídica de eventual lei que deles decorra, gerando a sua invalidação, sendo certo que a troca do Presidente, para a realização posterior de Medidas Provisórias e vetos, é insuficiente para corrigi-los.
Concretamente, a postura do governo e de sua base aliada tem sido tão individualmente desesperada que acabou se transformando em um abraço de afogado. Assim, estes vão morrer afogados, abraçados com a reforma trabalhista, e vão levar junto consigo todos aqueles que, desconsiderando por completo os fatos e a inteligência alheia, ainda queiram encontrar algum argumento supostamente econômico para justificar o prosseguimento da votação da reforma[iv].
É interessante verificar que, ao menos até o momento, há uma percepção generalizada a respeito disso, que se revela a partir do silêncio.
Dando braçadas para todo lado, o Presidente pediu à FIESP e à CNI que lhe desse apoio pois com isso dar prosseguimento às reformas, mas essas entidades, estrategicamente, ficaram em silêncio.
A grande imprensa, entusiástica da reforma, tem se limitado a dar notícias do que está ocorrendo, sem fazer qualquer defesa em torno da continuidade na votação das reformas[v], aliás, muito pelo contrário, quando instada a falar a respeito, deixa claro que a votação, nesse ambiente político, de uma lei dessa magnitude, de tamanha relevância e complexidade, não passa pelo crivo da legitimidade.
Então, claramente, junto com o forte abalo da lógica democrática, passou o bonde da aprovação dessa reforma, a qual, diante de tudo que foi nitidamente revelado, sobretudo quanto às origens das propostas[vi] e os ajustes em que se baseavam, deve ser obrigatoriamente arquivada, sendo que o urgente e efetivamente necessário para o momento é saber como se pode refundar o país.
Depois disso, quem sabe, em um novo ambiente político, com a democracia recomposta, em que se possibilite uma concreta participação classista (capital e trabalho), com o auxílio dos mais variados estudiosos no assunto das relações de trabalho, de diversas áreas, se possa pensar até mesmo na formulação de um Código do Trabalho e de um Código de Processo do Trabalho, ambos em consonância com a Constituição Federal e com a real história do Brasil.
Ou se reverte, urgentemente, esse percurso ou se caminhará não mais para o Estado de exceção, vez que nele já nos encontramos, e sim para o caos social e, depois, à barbárie!
Ao menos se verifica, no conjunto dos fatos, que uma porta para essa reversão se abriu.
Não podemos deixar que se feche!
São Paulo, 25 de maior de 2017.
[i]. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A quem interessa essa reforma trabalhista. Disponível em: http://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-quem-interessa-essa-reforma-trabalhista
[i]. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. É preciso defender a democracia: que democracia? Disponível em: http://www.jorgesoutomaior.com/blog/e-preciso-defender-a-democracia-que-democracia.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. E o Estado de exceção avança. Disponível em: http://www.jorgesoutomaior.com/blog/e-o-estado-de-excecao-avanca
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A crise e os seres humanos bons. Disponível em: http://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-crise-e-os-seres-humanos-bons
[ii]. http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/meu-ultimo-post-na-veja/
[iii]. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/05/23/relator-apresenta-parecer-sobre-reforma-trabalhista-sem-mudancas-no-projeto.htm
[iv]. http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,politica-nao-pode-paralisar-a-economia,70001800729
[v]. Com exceção da TV Bandeirantes: http://noticias.band.uol.com.br/jornaldaband/videos/16225204/editorial-band-acredita-que-temer-pode-comandar-reformas.html
[vi]. https://theintercept.com/2017/04/26/lobistas-de-bancos-industrias-e-transportes-quem-esta-por-tras-das-emendas-da-reforma-trabalhista/