“Forte eu sou, mas não tem jeito
Hoje eu tenho que chorar”
(Travessia – Milton Nascimento/Fernando Brant)
Ninguém, em sã consciência, haverá de negar que o Brasil tem estado mais triste a cada dia.
A tristeza se potencializa diariamente com a atualização das vidas perdidas para a COVID-19 e para o descaso. Só ontem foram mais 3.025 vítimas fatais.
Não bastasse, para aumentar a tristeza – e revolta –, ainda se somaram à nossa realidade os assassinatos brutais de três crianças e duas professoras, em uma creche, na cidade catarinense de Saudade.
Tudo isso em um ambiente econômico, social e político marcado pela fome de mais de 12 milhões de pessoas, pelo aumento do desemprego e da precarização, pelo crescimento do sofrimento no trabalho e fora dele, pela multiplicação das formas institucionalizadas de opressão, com graves restrições às liberdades democráticas, como forma de disseminação do medo, com destaque para a utilização, pelo governo federal, da FUNAI para a intimidação de lideranças indígenas.
E a tristeza também se intensifica pelas notícias do massacre que está ocorrendo na Colômbia.
Neste contexto, a morte do artista Paulo Gustavo ganha um forte componente de aprofundamento da nossa tragédia social e humana.
Enfrentando todos os desafios, Paulo Gustavo não apenas se constituiu como um grande ser humano, também se dispôs, com seu inigualável talento, aliado a um enorme esforço e a uma dedicação extrema, a difundir, com extrema generosidade e gentileza, suas apreensões de mundo.
Como revelado em um de seus filmes, “Minha mãe é uma peça 3”, a esperança era de que a trama e a cena específica pudessem servir de exemplo para milhões de pessoas.
Paulo Gustavo era, por assim dizer, uma avalanche de amor, tolerância, igualdade, felicidade e esperança, expressando, em sentido mais pleno, um de seus principais pensamentos – que deve ser, de fato, considerado por todas e todos: “Rir é um ato de resistência”!
E assim é não porque o riso diminua a gravidade e a seriedade dos problemas concretos ou porque importe em um ato de fuga ou de omissão, mas por ser um sinal de vida, de onde se extrai o diagnóstico de que ainda estão presentes a capacidade de se sensibilizar e a disponibilidade para interagir sem cobranças ou condições. O riso é gratuito e afetuoso. E o bom humor, bem ao contrário do que possa parecer, é sintoma de perseverança.
Os aprendizados que ficam das inúmeras lições deixadas por Paulo Gustavo vão no sentido de que, para não cairmos no desânimo, no imobilismo e até na perda da saúde, não se deve abrir mão da felicidade e da alegria de viver, entregando-as a todos e todas que, pregando o ódio, a intolerância, o egoísmo e a preservação de privilégios, oprimem e militam contra a humanidade, e, também, de que, mesmo com relação a estas pessoas, deve-se buscar uma interação por meio do diálogo, do amor e do afeto, por mais utópico que isso pareça ser.
Sem um exercício constante desses valores, diante dos desafios trazidos pela pandemia (que foram ampliados pela ausência de uma política pública minimamente eficaz de enfrentamento), o que se tem visto, de forma cada vez mais evidenciada, é que muitas pessoas, por múltiplos motivos, estão mais afetadas pelo mau humor e, com isto, mais beligerantes, rancorosas e insensíveis.
A insensibilidade de alguns, aliás, já se transformou, há muito, em forma extrema de desumanização, quando, fazendo apropriação pervertida dos sentimentos humanos, se utiliza de um pretenso “humor” para menoscabar o sofrimento alheio e desrespeitar as vidas humanas perdidas.
Cabe dizer, também, que a alegria e humor não devem nunca servir para mascarar a realidade, até porque a maior potência do humor é a revelação da realidade, e não devem, também, ser utilizados artificialmente para fingir o estado de espírito.
Fato é que se hoje experimentamos a imensa dor da perda diária de milhares brasileiros e brasileiras isto se dá porque não foram séria e responsavelmente tomadas, no tempo e modo devidos, as medidas preventivas necessárias para conter – ou minimizar – o contágio.
A certeza que se tem é que muitas vidas poderiam ter sido salvas e isto nos atrai um sentimento que não é só de sofrimento ou tristeza, mas, sobretudo, de indignação, uma indignação que se reforça quando se vê as instituições inertes – ou fazendo palco – com relação às iniciativas que seriam urgentes – e já com bastante atraso – para responsabilizar os culpados e superar os entraves burocráticos para a produção das vacinas e a promoção de uma vacinação em massa, publicamente coordenada.
Assim, mesmo tendo certa a importância do riso e do bom humor e deixando o registro da imensa gratidão a Paulo Gustavo por tantas lições e pelos inúmeros momentos felizes e de esperança que nos legou, hoje eu tenho que chorar!
São Paulo, 05 de maio de 2021.