Em recente texto publicado na Cult, com o título “Cuidado em surto: da crise à ética”, a professora Regina Stela e o professor Pedro Nicoli destacam a importância do cuidado para os seres humanos e a contradição do cuidado não ser valorizado, apontando como causa o fato de as atividades de cuidado, enunciadas no texto, serem “tradicionalmente feitas por pessoas em condição de precariedade, consideradas socialmente subalternas. Por mulheres, em sua absoluta maioria. Por mulheres negras, pobres. Como empregadas domésticas, diaristas, babás, cuidadoras de idosos, auxiliares de enfermagem.”
Apontam que na pandemia essas atividades apareceram com “um valor social forte”, o que não foi suficiente, no entanto, para mudar a vida das pessoas que as executam, destacando, inclusive, o aumento da violência familiar contra as mulheres.
A única mudança positiva, defendida pelos autores, foi a renda do “auxílio-emergencial” de R$600,00, tecendo críticas à resistência inicial que se teve para a sua aprovação.
O texto termina formulando as perguntas que estão no centro da série de programas que estamos realizando no Resenha: “O que veremos depois? Um retorno à “normalidade”? À desvalorização sistemática das trabalhadoras do cuidado?
Os próprios autores assim respostem as perguntas: “Precisamos acreditar que não.”
Esse questionamento é importantíssimo e, de certo modo, dá continuidade às análises já realizadas no programa IV do Resenha Trabalhista, organizado e apresentado pela Tainã Góis, a Patrícia Maeda, a Helena Pontes e a Valdete Severo.
Sobre o que se pode esperar a propósito da necessária valorização social, cultural e econômica do cuidado na sociedade que está sendo moldada no contexto da pandemia, importante avaliar:
1) O que pode nos levar a acreditar que essa situação vai se modificar no pós-pandemia se nem durante a crise as mudanças estão ocorrendo?
2) O que seria preciso ocorrer dos pontos de vista político, cultural, social e jurídico para que esse quadro mude?
3) Concretamente, de que mudanças se fala quando se preconiza a valorização do trabalho de cuidado:
- igualdade de direitos para as empregadas domésticas?
- igualdade de direitos para as trabalhadoras terceirizadas?
- preservação da saúde e da vida privada no teletrabalho?
- integração jurídica da dupla ou tripla jornada?
- igualdade remuneratória?
- inibição efetiva e punição exemplar do assédio moral e sexual?
4) Qual o papel dos juristas, da advocacia, da magistratura e da procuradoria do trabalho nessa tarefa?
5) Como essa preocupação deve refletir no ensino jurídico?
As enfermeiras entrevistadas no programa V fizeram várias críticas às decisões judiciais que reconhecem validade à jornada de 12x36, negam a insalubridade (e, consequentemente, a aposentadoria especial para o seu trabalho); não reconhecem o seu adoecimento, inclusive mental, como acidente do trabalho.
6) Que respostas concretas, do ponto de vista jurídico, podemos dar a elas?
Ainda do ponto de vista da valorização do cuidado, no programa IV, as expositoras apontaram a situação como resultado de um processo histórico, economicamente calculado, que impôs às mulheres as tarefas ligadas à reprodução social.
A valorização, neste contexto, não teria que enfrentar as seguintes questões:
- reorganização da divisão sexual do trabalho?
- superação do machismo mesmo entre a classe trabalhadora?
- da afirmação do trabalho doméstico como trabalho reprodutivo (inserido no processo de produção)?
- do reconhecimento do trabalho de cuidado como produtor da riqueza e, portanto, detentor de direitos e não alvo de favores e compaixão?
Dito de outra forma, a valorização meramente cultural do trabalho de cuidado não implicaria em tratar a mulher trabalhadora como heroína e isso não teria o efeito de desconhecer a sua condição humana, suas dores, seus desejos, sua integridade física e sua dignidade?
E mais importante, considerando que a valorização econômica do trabalho de cuidado é também, de um lado, uma forma de interferir no processo de acumulação da riqueza e, de outro, uma disputa de parcela do orçamento público com outros interesses, haveria na forma de organização social fruto do modo de produção capitalista uma ética que possa valorizar, até o ponto de uma igualdade plena, o trabalho de cuidado (reprodutivo)?
As respostas a esses questionamentos precisam ser dadas e efetivadas agora se quisermos vivenciar um mundo melhor no pós-pandemia.
Para isso, nada melhor do que conversar com estudiosos no assunto.
Ficamos, então, combinados:
Resenha Trabalhista – Programa VII: “O cuidado como trabalho e fonte de direitos?”
Um bate-papo com:
- Claudia Mazzei Nogueira - professora Dra. do curso de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp - pesquisadora do CNPq;
- Pedro Augusto Gravatá Nicoli - professor da Faculdade de Direito da UFMG;
- Regina Stela Corrêa Vieira - professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNOESC;
- Claudia Urano - assessora no TRT/SP e doutoranda em Direito do Trabalho na FADUSP.
Domingo, dia 24/05 às 19h
Transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=m3_cKb0oorA
https://www.facebook.com/JorgeLuisSoutoMaior/videos/253099032430185/
Até lá!
Jorge Souto Maior