Valdete Souto Severo
Paulo de Carvalho Yamamoto
“Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então que eu tô inventando
Mas é você que ama o passado
E que não vê
É você que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem”
(Belchior – Como nossos pais)
Resumo: Com o fim da contribuição sindical e com a tentativa de ampliação, sem limites, da terceirização, perde sentido a noção de categoria fixada por lei e, por conseguinte, a necessidade de registro sindical, chegando-se ao ponto da liberdade sindical, tal qual preconizada nas Convenções 87 e 98 da OIT. Ainda que o registro e a unicidade tenham previsão constitucional (art. 8º), a eliminação do imposto sindical, conforme, inclusive, já corroborado pelo STF, quebra toda a lógica da existência desses dispositivos, que, assim, tendem a cair em desuso ou a ser aplicados sem uma finalidade específica. O que se tem, presentemente, é uma representatividade ampliada dos sindicatos que supera o conceito da categorização legal e que se legitima pelo maior número de associados.
1. Introdução: até onde avançam os progressistas?
O poeta e diplomata mineiro Chico Alvim, em seu poema “Disseram na Câmara”, anota:
“Quem não estiver seriamente preocupado e perplexo
não está bem informado”
De fato, estranhos são os nossos tempos em que a pobreza é combatida retirando-se Direitos Sociais; em que o aumento da violência social decorrente é enfrentada meramente com a ampliação do poder de repressão estatal; em que vítimas de desastres ambientais são “socorridas” com benesses para as empresas que causaram os danos. Tudo isso – e muito mais – faz parte da “nova era” que entramos, na qual, segundo se diz, a onda é a das “mudanças”.
Assim, aos que se posicionam criticamente à lei, denunciando sua ideologia neoliberal, procura-se colar a pecha de retrógrados, ao mesmo tempo em que se atribui aos defensores da “reforma” o crédito de progressistas.
Mas essa prática é reveladora e o que se tem visto é que os “progressistas e modernos” recusam a literalidade da referida lei quando seus termos, de algum modo, podem ser interpretados de modo a ampliar a proteção jurídica aos trabalhadores, como esse artigo procurará demonstrar.
2. O “negociado sobre o legislado” como fantasia da redução do patamar mínimo civilizatório
Sabe-se bem que o resultado pretendido pelos idealizadores da Lei n. 13.467/2017 foi o de transformar os sindicatos em agentes da redução ou da supressão de direitos fundamentais mínimos. Para isso, se pretendeu mantê-los atrelados ao Estado, enquanto lhe fora retirada a fonte de subsistência. A fórmula é simples: fragilizar para impor negociações que reduzam o patamar jurídico já conquistado.
A falácia da suposta fórmula do negociado sobre o legislado não resiste ao exame do texto legal, que impõe negociação estabelecendo seus limites e “sugerindo” a retirada de direitos, como quando estabelece a possibilidade de redução, para meia hora, do intervalo mínimo de uma hora durante jornadas que excedam de seis horas consecutivas. A verdade é que em toda história republicana nacional, o negociado sempre prevaleceu sobre o legislado, já que a lei apenas e tão somente estabelece um patamar jurídico, sem o qual a própria subsistência dos trabalhadores estaria posta em risco. Em outras palavras: as empresas e os trabalhadores sempre puderam negociar condições melhores de trabalho do que o mínimo previsto na regra estatal.
Assim, o que se pretende com a Lei n. 13.467 é estimular uma prática nada nova de realização de negociações que reduzam e restrinjam direitos. Prática, aliás, bem mais antiga e que tem sido inclusive chancelada pelo Poder Judiciário Trabalhista, basta ver os textos de algumas Súmula do TST que admitem prorrogação de jornada em trabalho insalubre, jornada de 12 horas ou banco de horas, entre tantos outros exemplos.
Mas, por óbvio, nada disso se revelou de modo explícito. Tudo se disse com meias palavras. Por isso, mesmo desejando que a negociação supressora de direitos constituísse a “regra do jogo”, prevalecendo sobre o conjunto mínimo de direitos previsto em lei, o que restou expresso foi que o negociado deveria – pasmem! – respeitar os limites que a própria lei fixou.
A má redação e a fragilidade teórica das proposições que fundamentam o texto normativo o distanciam da intenção que o legislador inconfessadamente tinha. Concretamente, o que se tem ainda é a lei dizendo o que a negociação coletiva pode ou não fazer.
Por consequência lógica, o sistema trabalhista coletivo ainda se pauta pela prevalência da lei; inclusive sobre o negociado. Aliás, os limites fixados na lei para a negociação coletiva são tantos quantos os que já se tinha antes da edição da lei “modernizadora”.
Ora, a lei expressamente (por um ato de soberba e ignorância) diz que a negociação deve respeitar os direitos constitucionais assegurados aos trabalhadores que estão, todos eles, alicerçados no princípio da progressividade, isto é, na “melhoria da condição social”, o que impede, por conseguinte, qualquer atuação negocial regressiva de direitos.
A lei também admite, expressamente, a existência do princípio da intervenção do Judiciário na avaliação dos instrumentos normativos, formalizados como resultado de negociações coletivas, sendo certo, sob este aspecto, que, embora aluda a uma “intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”, não traz nenhuma novidade concreta a respeito, pois a lei, que confere direitos mínimos aos trabalhadores, sempre foi a base dessa intervenção.
A própria lei da “reforma” traz os seus limites ao negociado com relação ao tempo do intervalo, jornada, número de horas extras, etc., demonstrando, mais de uma vez, que o legislador, de fato, ou não acredita no postulado da supremacia do negociado que tentou vender midiaticamente, ou não teve a coragem de assumir isso expressamente.
Fato é que a pressa para elaboração da lei foi tão grande e a ânsia de algumas representações empresariais de tirarem o maior proveito possível da situação foi tão voraz que se acabou gerando um texto normativo que, bem ao contrário do que sequer cogitou, remete à plenitude da liberdade sindical.
Senão vejamos.
Para aniquilar o movimento sindical e favorecer as empresas em uma negociação coletiva que, como se projetava, poderia reduzir direitos trabalhistas, a lei eliminou a contribuição sindical obrigatória – e essa novidade jurídica foi, inclusive, ratificada pelo STF.
A lei, também, permitiu que qualquer atividade da empresa, mesmo a atividade dita principal, fosse transferida para outra empresa.
O argumento para essas alterações, foi, como sempre, o de que se estava dando uma resposta aos novos tempos das relações de trabalho, marcados pela revolução tecnológica e pela “maioridade” dos trabalhadores, que não precisariam mais da tutela do Estado para gerir os seus interesses.
Não vamos insistir aqui no apontamento das falácias desse argumento. Tampouco avaliaremos as inconsistências jurídicas e as contradições da lei e dos julgados do STF nesses tópicos. Nas próximas linhas, os tomaremos, sem reflexão crítica, como fatos consumados, para tratar dos seus efeitos e, com isso, avaliar se os arautos das mudanças estão mesmo dispostos a assumir o “status” do progressismo.
3. A historicidade da unicidade e do imposto sindical
O efeito inconteste – e certamente não imaginado – da combinação desses dois esforços específicos do legislador, o de eliminar a contribuição sindical obrigatória; e a tentativa de autorizar a “terceirização da atividade-fim” (como se diz), é a eliminação da prederminação legal da categoria, fazendo com que seja remodelado, completamente, o desenho jurídico da organização sindical brasileira.
Para tanto, é preciso reconhecer a historicidade dos fenômenos sociais e dos seus consequentes institutos jurídicos.
Os autointitulados progressistas dizem defender a “reforma”, como resposta às rápidas mudanças que a economia contemporânea impõe a todos. Porém, ao fazê-lo não parecem dispostos a admitir que tampouco as coisas do passado foram imutáveis e, portanto, nem sempre foram do modo como se apresentam no presente, até porque a forma esconde a sua própria história.
O desvelamento desse histórico possibilita a percepção de que aquilo que, hoje, se apresenta como “moderno”, não passa, na verdade, de algo ainda mais antigo do que o objeto que se pretende alterar sob a acusação de ser obsoleto.
Com efeito, a “reforma” eliminou a contribuição sindical obrigatória em nome da modernidade, mas um sindicalismo sem contribuição sindical obrigatória é o que existia antes desta ser instituída. A contribuição sindical obrigatória não existiu desde sempre na história do movimento sindical que se desenvolveu no país.
3.1. Origens da legalização da classe operária brasileira
Já dizia Carlos Drummond de Andrade:
“As leis não bastam.
Os lírios não nascem da lei.”
Tal qual o poeta, também aos juristas cabe reconhecer que antes do regramento legal os sindicatos já existiam. Representam um fato social: a união de trabalhadores para lutar por melhores condições de vida e de trabalho. As primeiras organizações operárias no Brasil, “uniões e ligas operárias”, também conhecidas como “associações de resistência”, começaram a ser criadas no final do século XIX[iii], tendo atuação concreta na dinâmica das relações de trabalho do país, realizando grandes e intensas mobilizações sociais.
O primeiro regramento estatal a respeito se dá já em 1903, com a primeira lei sindical intervindo na formação e no modo de gestão das associações de resistência. Em 1907, ano marcado por vários movimentos paredistas, pela criação de jornais sindicais e de novos sindicatos, foi aprovada a primeira lei para expulsão dos imigrantes, considerados perigosos especialmente porque traziam consigo doutrinas e pensamentos subversivos (Lei Adolfo Gordo)[iv].
Dentre tantos tantos movimentos paredistas da época, destaque-se a Greve Geral de 1917[v], que foi capaz de paralisar por diversos dias toda a capital paulista.
Mas é sem dúvida a partir da década de 1930 que a intervenção estatal sobre os sindicatos se intensifica.
Em 1931, já sob o Governo Vargas, é editado o Decreto nº 19.770/31, dando um formato específico para tais uniões obreiras, qual fosse: o recém-criado sindicato oficial, que, vinculado ao Estado, tinha como objetivo extinguir e domesticar as agremiações operárias que, durante a Primeira República, foram responsáveis pela intensa mobilização social citada.
No início, a estratégia foi a de direcionar os direitos trabalhistas que, então, foram integrados a dispositivos legais, apenas para os trabalhadores que fossem associados aos sindicatos oficiais, ao mesmo tempo em que proibia que na direção desses sindicatos atuasse algum estrangeiro, em virtude de sua militância política anarquista, comunista ou socialista.
Mesmo esse Decreto, no entanto, não estabelecia a priori quem seriam os representados pelo sindicato, nem conferia ao sindicato uma fonte oficial de custeio.
O artigo 1º do referido diploma dispunha:
“Art. 1º – Terão os seus direitos e deveres regulados pelo presente decreto, podendo defender, perante o Governo da República e por intermédio do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, os seus interesses de ordem econômica, jurídica, higiênica e cultural, todas as classes patronais e operárias, que, no território nacional, exercerem profissões idênticas, similares ou conexas, e que se organizarern em sindicados, independentes entre si, mas subordinada a sua constituição às seguintes condições:
a) reunião de, pelo menos, 30 associados de ambos os sexos, maiores de 18 anos;
b) maioria, na totalidade dos associados, de dois terços, no mínimo, de brasileiros natos ou naturalizados.”
O requisito básico do reconhecimento era o número de associados, que deveria ser, no mínimo, de um terço dos profissionais representados, como fica claro no art. 9º:
“Art. 9º – Cindida uma classe e associada em dois ou mais sindicatos, será reconhecido o que reunir dois terços da mesma classe, e, se isto não se verificar, o que reunir maior número de associados.
Parágrafo único. Ante a hipótese de preexistirem uma ou mais associações de uma só classe e pretenderem adotar a forma sindical, nos termos deste decreto, far-se-á o reconhecimento, de acordo com a fórmula estabelecida neste artigo.”
Atendidos os requisitos legais, os sindicatos seriam reconhecidos como tais pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC).
“Art. 2º – Constituídos os sindicatos de acordo com o artigo1º, exige-se ainda, para serem reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e que adquirirem, assim, personalidade jurídica, tenham aprovados pelo Ministério os seus estatutos, acompanhados de cópia autêntica da ata de instalação e de uma relação do número de sócios com os respectivos nomes, profissão, idade, estado civil, nacionalidade, residência e lugares ou empresas onde exercerem a sua atividade profissional.”
Mas o que havia, naquele instante, com relação aos sindicatos oficiais, não era uma intervenção, porque, afinal, esses sindicatos estavam sendo criados, ou, incentivados, pelo próprio Estado, e isso se fazia para afastar os sindicatos combativos, mas também para possibilitar a ampliação de sindicatos, de modo a favorecer a aplicação da nova legislação trabalhista que se implementava.
Chega-se, inclusive, a autorizar que os sindicatos se dirigissem diretamente ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, para buscar a aplicação das leis e até mesmo a criação de normas trabalhistas:
“Art. 8º – Poderão, igualmente, os sindicatos pleitear perante o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio:
a) medidas de proteção, auxílios, subvenções, para os seus institutos de assistência e de educação, já existentes ou que se venham a criar;
b) a criação pelo Governo da República, ou por colaboração deste e dos Governos estaduais, de serviços de assistência social que, por falta de recursos, não puderam ser instituídos ou mantidos pelos sindicatos;
c) a regularização de horas de trabalho em geral, e, em particular para menores, para mulheres e nas indústrias insalubres;
d) melhoria de salários e sua uniformização em igualdade de condições, para ambos os sexos; fixação de salários mínimos para trabalhadores urbanos e rurais;
e) regulamentação e fiscalização das condições higiênicas do trabalho em fábricas, em oficinas, em casas de comércio, usinas e nos campos, tendo-se em conta a localização, natureza e aparelhagem técnica das indústria, sobretudo quando oferecerem perigo à saúde e à segurança física e mental dos trabalhadores, ou quando, tendo-se em vista o sexo a idade e a resistência orgânica dos mesmos, se lhes dificultar ou reduzir a capacidade produtiva, pelo uso de maquinismos deficientes ou inadequados, ou por má distribuição ou má divisão do trabalho;
f) medidas preventivas ou repressivas contra infrações de leis, decretos e regulamentos que prescreverem garantias ou direto às organizações sindicais.”
Essa proteção estatal dos sindicatos oficiais pode ser visualizada na regra do art. 13, que vedava a dispensa de um trabalhador pelo fato de ter se associado a esses sindicatos:
“Art. 13 – É vedada aos patrões ou empresas despedir, suspender e rebaixar de categoria, de salário ou de ordenado o operário ou empregado, pelo fato de associar-se ao sindicato de sua classe, ou por ter, no seio do mesmo sindicato, manifestado idéias ou assumido atitudes em divergência com os seus patrões.”
Lembre-se, ainda, que, no geral, os direitos trabalhistas formalizados pelos Decretos de Vargas nesse período inicial dos anos 30 eram destinados exclusivamente aos trabalhadores associados aos sindicatos reconhecidos pelo Estado.
Não havia, pois, impedimento formal para a criação de sindicatos e a sindicalização era feita por profissão.
Mas, mesmo com toda a estratégia persuasiva adotada pelo governo, os sindicatos não oficiais continuaram existindo e até aumentaram sua influência, sobretudo, depois da Constituição de 1934, que garantiu a liberdade sindical.
A Carta de 1934 contribuiu para o advento de nova mobilização dos sindicatos ligados às orientações políticas de esquerda, ganhando notoriedade, sobretudo, na luta contra o Integralismo, junto à Aliança Nacional Libertadora (ANL). Nas palavras de Marcelo Badaró Mattos:
“O nível de agitação operária naqueles anos de 1934 a 1935 pode ser medido pela criação, em 1934, de uma Frente Única Sindical (FUS), liderada pelos comunistas, que em maio do ano seguinte realizará um congresso sindical nacional, que criará a Confederação Sindical Unitária do Brasil (CSUB)”[vi]
O avanço da união proletária à margem do controle estatal assustou o meio empresarial, incentivando, assim, ao arrepio da nova ordem constitucional, outro ataque institucional aos sindicatos.
O Decreto nº 24.694, de 12 de julho de 1934, passando por cima da Constituição, aumentou o cerco sobre os sindicatos, impondo, desde então, a exigência de que os sindicatos deveriam ser “órgãos de colaboração com o Estado no estudo e solução dos problemas que, direta ou indiretamente, se relacionarem com os interesses da profissão” (art. 2º, “c”).
Nessa linha, estipula que competiria aos sindicatos “cooperar, por intermédio dos seus representantes, nas comissões e tribunais de trabalho, para a solução dos dissídios entre empregados e empregadores” (art. 2º, § 2º, “b”).
Foi mantida a fórmula de uma associação por profissões “idênticas, similares ou conexas”, mas veda-se, expressamente, aos “funcionários públicos”, a possibilidade de se sindicalizarem, não se considerando como tais “os empregados manuais, intelectuais e técnicos de emprêsas agrícolas, industriais e de transportes, a cargo da União, dos Estados ou dos municípios”. (art. 4º e seu parágrafo único).
Quanto aos requisitos, estabeleceu que deveria existir uma "reunião de associados, de um e outro sexo e maiores de 14 aos, que representam, no mínimo, um terço dos empregados que exerçam a mesma profissão na respectiva localidade, identificados nos termos do art. 38" (art. 5º, II, "a").
Percebe-se, aqui, a inserção do critério da localidade, que poderia ser de abrangência municipal, intermunicipal, estadual ou nacional (art. 12)
Ainda assim não havia o requisito do sindicato único. Aliás, o Decreto garantia, expressamente, o direito dos trabalhadores de se desligarem de um sindicato e formarem outro, desde que isso não eliminasse a existência do primeiro, caso o número desde restasse inferior ao mínimo de associados exigido (art. 11, § 2º).
Essa alteração não foi suficiente e o governo foi além. Conforme relata Marcelo Badaró:
“Sob o pretexto de reprimir o levante da ANL, conhecido como ‘Intentona Comunista’, o governo acionou uma Lei de Segurança Nacional, que instalou o estado de exceção, ao criar mecanismos e tribunais especiais para os presos políticos. As lideranças sindicais mais combativas estavam entre os principais alvos desta legislação e seu afastamento dos sindicatos, pela cassação de direitos, prisão, ou eliminação física, foi a principal garantia da desmobilização subsequente do movimento sindical”[vii]
A Lei n. 38, de 4 de abril de 1935 (a denominada “Lei monstro”), declarava a greve um delito[viii], quando realizada no funcionalismo público e nos serviços inadiáveis.
Em contrapartida, a Lei n. 62, de 5 de julho de 1935, assegurou aos empregados da indústria ou do comércio o recebimento de uma indenização, quando da dispensa imotivada, trazendo vários direitos e conceitos que mais tarde viriam a ser incorporados à CLT, destacando-se a estabilidade no emprego após dez anos de prestação de serviços (art. 10), que antes era destinada apenas aos trabalhadores atingidos pela Lei Eloy Chaves ou por normas da Previdência Social. Mas conferiu a possibilidade ao empregador de impor uma redução de salários aos seus empregados, diante da existência de reais prejuízos devidamente comprovados (art. 11).
Além disso, na Constituição de 1937, a greve foi declarada recurso antissocial nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interesses da produção nacional. E o Decreto-Lei nº 431, de 18 de maio de 1938, considerava crime tanto a promoção da greve quanto a simples participação no movimento grevista.
É nesse contexto que se cria, em 05 de julho de 1939, a Lei Orgânica da Sindicalização Profissional (Decreto-Lei n. 1.402/39), pela qual se explicita o objetivo de controlar a atividade sindical, conforme constava até mesmo da exposição de motivos da lei:
“Com a instituição desse registro, toda a vida das associações profissionais passará a gravitar em torno do Ministério do Trabalho: nele nascerão, com ele crescerão; ao lado dele se desenvolverão; nele se extinguirão.”
O artigo 1º impõe que:
“Art. 1º – É lícita a associação, para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses profissionais, de todos os que, como empregadores, empregados ou trabalhadores por conta própria, intelectuais, técnicos ou manuais, exerçam a mesma profissão, ou profissões similares ou conexas.”
Essa vinculação ao Estado, no entanto, tem uma consequência, que é a de permitir ao sindicato “impor contribuições a todos aqueles que participam das profissões ou categorias representadas” (art. 3º, “f”).
E é exatamente para possibilitar esse alcance da obrigatoriedade de vinculação e de “contribuição” que surge a noção de categoria, inexistente nos regramentos anteriores.
Ou seja, a contribuição obrigatória (ainda sem a denominação “imposto sindical”) só surge na vida sindical em 1939, no momento em que o sindicato foi consagrado um prolongamento do Estado e a noção de categoria está vinculada a essa ideologia.
Enquanto longa manus do Estado, o sindicato oficial assume deveres expressos, dentre os quais: “colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade das profissões” (art. 4º, “a”), “manter serviços de assistência judiciária para os associados (art. 4º, “c”); “fundar e manter escolas, especialmente de aprendizagem, hospitais e outras instituições de assistência social” (art. 4º, “d”); e “promover a conciliação nos dissídios de trabalho” (art. 4º, “e”).
Ainda assim, para se formar um sindicato seria necessário possuir, como associados, um terço dos que exercem a profissão" (art. 5º, "a").
Esse Decreto-Lei deixa claro que não seria reconhecido mais de um sindicato para cada profissão (art. 6º) e que os sindicatos teriam uma “base territorial” (art. 7º).
A noção de categoria é expressamente tratada no art. 8º, mas, até então, se deixava aos próprios sindicatos fixarem, em seus estatutos, os limites da categoria “profissional representada” (art. 8º, § 1º, “b”).
Dentro desse contexto de um sindicato oficial único para uma categoria profissional dentro de uma mesma base territorial, estipulam-se critérios para se conferir (pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio) investidura sindical a uma associação profissional, estando dentre eles o “número de sócios”, “os serviços sociais fundados e mantidos” e “o valor do patrimônio” (art. 9º, “a”, “b” e “c”).
Como condição para o funcionamento do sindicato estava a “abstenção de qualquer propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da Nação, bem como de candidaturas a cargos eletivos estranhos ao sindicato” (art. 10, “a”).
O Decreto-Lei em questão proibia, expressamente, que fossem dirigentes sindicais “os que professarem ideologias incompatíveis com as instituições ou os interesses da Nação; e “os que tiverem má conduta, devidamente comprovada” (art. 19, “a” e “e”).
Como contrapartidas, estipulam-se garantia de emprego para o dirigente sindical (art. 33) e multas administrativas ao empregador que “despedir, suspender ou rebaixar de categoria o empregado, ou lhe reduzir o salário, para impedir que o mesmo se associe a sindicato, organize associação sindical ou exerça os direitos inerentes à condição de sindicalizado”, sem prejuízo de reparação por dano que o empregado tiver direito (art. 34).
Além disso, assegura-se aos “empregados sindicalizados preferência, em igualdade de condições, para a admissão nos trabalhos de empresas que explorem serviços públicos ou mantenham contratos com os poderes públicos” (art. 35).
No aspecto do financiamento, estabelece-se a obrigação dos empregadores de descontarem “na folha de pagamento dos seus empregados as contribuições por estes devidas ao sindicato”. (art. 36)
Além da contribuição obrigatória, estipulada nos estatutos, prevê-se, também, a possibilidade da fixação de uma contribuição fixada nos próprios estatutos ou por assembleia (art. 38, “a” e “b”).
Um ano depois, em 8 de julho de 1940, por meio do Decreto-Lei n. 2.377, o governo aumenta seu controle sobre a atuação sindical, tratando, expressamente, a contribuição obrigatória como “imposto sindical” e fixando o seu valor, conforme consignado logo no artigo 1º:
“Art. 1º – As contribuições devidas aos sindicatos pelos que participem das categorias econômicas ou profissionais representadas pelas referidas entidades, consoante as alíneas a do art. 38 e f do art. 3º do decreto-lei nº 1.402, de 5 de julho de 1939, serão, sob a denominação de "imposto sindical", pagas e arrecadadas pela forma estabelecida neste decreto-lei. “
Resta evidenciado, inclusive, que “o imposto sindical é devido, por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, em favor da associação profissional legalmente reconhecida como sindicato representativo da mesma categoria” (art. 2º).
Nos termos do artigo 3º, “o imposto sindical será pago de uma só vez, anualmente, e consistirá: a) na importância correspondente à remuneração de um dia de trabalho, para os empregados, qualquer que seja a forma da referida remuneração”.
Mantém-se a fórmula de atribuir aos empregadores a obrigação de “descontar na folha de pagamento de seus empregados, relativa ao mês de março de cada ano, o imposto sindical por estes devido aos respectivos sindicatos” (art. 4º).
Estabelece-se, ainda, que “da importância anual da arrecadação do imposto sindical será deduzida, em favor das associações profissionais de grau superior, a percentagem de 20 % (vinte por cento)” (art. 15).
Para conferir eficácia a essa qualificação jurídica de imposto sindical e assumindo de vez a intenção de manter sobre total controle a atividade sindical, o governo edita, logo no dia seguinte, em 9 de julho de 1940, o Decreto-lei n. 2.381, que traz o quadro das atividades e profissões, para o Registro das Associações Profissionais e o enquadramento sindical.
Assim, a categoria não seria mais definida pelos estatutos dos sindicatos, vez que delimitada pelo próprio Estado.
Eis aqui o ponto central da questão. O imposto sindical é antecessor histórico, mas também lógico, da categoria. A noção de categoria é imposta sob a égide do sindicato único como instrumento que dá operacionalidade ao imposto sindical. Imposto, categoria (pré-estabelecida legalmente), registro[ix] e unicidade sindical são facetas do mesmo fenômeno jurídico-político: o sindicato oficial.
Em 10 de fevereiro de 1941, por meio do Decreto-Lei n. 3.037, passa-se a exigir o pagamento de taxas para expedição de cartas de reconhecimento sindical.
E, em 1943, na CLT, o que se fez foi apenas manter o nível de intervenção no sindicato que se atingiu com as sucessivas alterações normativas e esclarecer algumas definições.
Associação por “profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas” (art. 511), com a introdução do elemento “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica” (§ 2º, art. 511) e da noção de “categoria profissional diferenciada”, que seria a “que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares” (§ 3º, art. 511).
Dentre as prerrogativas dos sindicatos se mantém a de “impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas” (art. 513, “e”) e quanto aos deveres, os de “colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social”; “manter serviços de assistência judiciária para os associados” e “promover a conciliação nos dissídios de trabalho” (art. 514, “a” a “c”).
Não se eliminou, também, o requisito de associação de pelo menos "um terço dos que integrem a mesma categoria ou exerçam a mesma profissão liberal se se tratar de associação de empregados" (art. 515, "a").
Outro pilar do sistema, a unicidade sindical, manteve-se no art. 516: “Não será reconhecido mais de um sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial”.
E, como critério para obtenção de investidura sindical, preservou-se a fórmula de o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, considerar, entre outros, “o número de associados”, os “serviços sociais fundados e mantidos” e “o valor do patrimônio” (art. 519). Dispositivo, que, aliás, até hoje está previsto na CLT, sem qualquer alteração.
Também se conservou, como condição de funcionamento, a “abstenção de qualquer propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da Nação, bem como de candidaturas a cargos eletivos estranhos ao sindicato” (art. 521, “a”), assim como a proibição de se elegerem dirigentes sindicais, os trabalhadores que “professarem ideologias incompatíveis com as instituições ou os interesses da Nação” (art. 530, “a”) e os que “tiverem má conduta, devidamente comprovada” (art. 530, “e”).
Na linha das contrapartidas foram preservadas a garantia do empregado eleito para carga de administração sindical eu representação profissional de não poder, por motivo de serviço, ser impedido do exercício das suas funções, nem transferido sem causa justificada (art. 543) e a punição do empregador que “despedir, suspender ou rebaixar de categoria o empregado, ou lhe reduzir o salário, para impedir que o mesmo se associe a sindicato, organize associação sindical ou exerça os direitos inerentes à condição de sindicalizado” (§ 3º, do art. 543). Tal punição continua vigente (§ 6º do art. 543, com redação dada pelo Decreto-Lei nº 229, de 28 de fevereiro de 1967).
Também se manteve a previsão de assegurar “aos empregados sindicalizados preferência, em igualdade de condições, para a admissão nos trabalhos de empresas que explorem serviços públicos ou mantenham contratos com os poderes públicos” (art. 544). Essas garantias, aliás, foram ampliadas dada pelo Decreto-Lei nº 229/67.
Igualmente, perdurou a obrigação aos empregadores de descontarem “na folha de pagamento dos seus empregados as contribuições por estes devidas ao sindicato, uma vez que tenham sido notificados por este”, acrescentando que quanto ao “imposto sindical” nenhuma formalidade seria necessária para o cumprimento da obrigação (art. 545). Esse dispositivo somente foi alterado, agora, em 2017, com a edição da Lei n. 13.467.
O enquadramento sindical foi tratado em Capítulo específico (arts. 570 a 577), com a manutenção do quadro de atividades e profissões (art. 577).
O imposto sindical, da mesma forma, recebeu tratamento diferenciado, em Capítulo próprio (arts. 578 a 610), no qual não apenas se fixou valores e fórmulas de cobrança, vinculando todos os integrantes da categoria, como também a destinação de 20% dos valores arrecadados pelo Banco do Brasil ao “Fundo Social Sindical” (art. 590), “gerido e aplicado pela Comissão do Imposto Sindical em objetivos que atendam aos interesses gerais da organização sindical nacional” (art. 594), constituída nos moldes do art. 595, com representantes do Estado, dos empregadores, dos empregados e outros segmentos da sociedade civil.
Essa Comissão foi extinta em 1964 pela Lei nº 4.589, de 11 de dezembro de 1964. A mesma lei extinguiu o “Fundo Social Sindical” e criou a Conta Especial Emprego e Salário, que foi, em verdade, uma forma de apropriação, para o Estado, de 20% do imposto sindical, que era devido, vale lembrar, não apenas por empregados e empregadores, mas também por trabalhadores autônomos e liberais, mesmo não organizados em sindicatos (art. 586), sendo que na inexistência de organização sindical, ainda que de grau superior, a integralidade do imposto recolhido iria para o Fundo e, a partir de dezembro de 1964, para a referida Conta Especial.
Nos termos dessa lei, o montante destinado à Conta Especial foi utilizado, em 1965, “exclusivamente nas despesas de instalação e funcionamento dos órgãos criados ou transformados pela presente Lei, no pagamento do pessoal transferido dos seus cargos em comissão e funções gratificadas”, no âmbito do Ministério do Trabalho e Previdência Social (art. 18).
A partir de 1966, o valor em questão foi direcionado ao Tesouro Nacional e foi integrado “ao orçamento do Ministério do Trabalho e Previdência social, como reforço de suas verbas ordinárias” (art. 19). Tal destinação se manteve vigente até 2017.
A CLT ainda previa como o imposto deveria ser gasto pelos sindicatos (art. 592). Disposição que resta compatível com a ideia de um sindicato oficial, vinculado e representante dos interesses estatais.
3.2 A liberdade sindical abriu as asas sobre nós
Resta claro, portanto, que o imposto sindical foi uma fórmula para atrelar o sindicato ao Estado, mantendo sob controle a mobilização social dos trabalhadores.
A supressão do imposto sindical, que estava na base de toda essa regulação, faz ruir completamente a sua edificação. Não é possível, ainda mais sob o argumento de que a implementação dessas mudanças se deu para afastar a concepção corporativista da CLT, manter em vigor os institutos complementares ao imposto sindical.
Vale lembrar que antes da criação do imposto sindical, como demonstrado acima, não se falava em categoria determinada pelo Estado e o registro sindical não era impeditivo para constituição de mais de um sindicato na mesma localidade, ainda que o permissivo da negociação estivesse restrito a apenas um, o qual não era definido, como se acabou afirmando na doutrina e na jurisprudência (sem apoio de nenhuma norma legal jamais existente), segundo os critérios da anterioridade ou da especificidade. O poder negocial era conferido ao “mais representativo”, entendendo-se como tal o que tivesse o maior “número de associados”, oferecesse mais “serviços sociais fundados e mantidos” e possuísse o maior “patrimônio”, conforme estabelece, ainda hoje, o artigo 519 da CLT.
Essa conclusão se reforça quando consideramos que o legislador atual também abriu mão dos pressupostos da vinculação social e profissional, ou, mais propriamente, da “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica”, para efeito da configuração de uma categoria profissional, na medida em que de certo modo admite a existência de sociedade empresarial que, mesmo sem atividade econômica própria, a não ser a de oferecer força de trabalho a outra empresa, figure como empregadora para o exercício de qualquer tipo de profissão.
Ampliando as possibilidades de exploração do trabalho pelo capital, o Estado também abriu mão de um controle mais amplo sobre a produção e a organização do mundo do trabalho e esse efeito, que conduz à liberdade sindical, não pode ser negado pelos elaboradores e defensores da lei da “reforma” porque a liberdade sindical é bandeira primaria da “modernização” das relações de trabalho.
O atrelamento dos sindicatos ao Estado foi uma solução dada pelo Estado Novo, para manter sob controle as agremiações de trabalhadores mais combativas e sufocar a democracia.
No discurso dos defensores da “modernização” representada pela Lei n. 13.467/17, notadamente com o fim do imposto sindical, aparece insistente referência à necessidade de superação da lógica fascista que, segundo dizem, orientou a edição de parte da legislação trabalhista. Bem sabemos que a CLT, uma compilação de leis pré-existentes, não tem a origem fascista que lhe atribuem, mas se há nela algo desconectado com uma compreensão democrática de convívio social é justamente o atrelamento que impôs dos sindicatos ao Estado.
Esse atrelamento, cujo objetivo é a asfixia da força contestadora da classe trabalhadora organizada, constitui um sistema, um modo de regular e conceber as instituições: sindicato, categoria profissional, imposto sindical. O fim do imposto sindical, portanto, significa o fim desse sistema de atrelamento asfixiante e leva consigo, por força, o conceito de categoria profissional determinada por lei e de unicidade sindical.
4. Conclusão
A breve incursão histórica acerca dos conceitos de categoria profissional, sindicato e imposto sindical revela que tais conceitos estão intimamente conectados. Não há como manter a mesma lógica na realidade jurídica atual, pois a contrapartida principal conferida pelo Estado aos sindicatos para o atrelamento, que lhe foi imposto, era justamente a contribuição sindical obrigatória.
Mantido o controle sem essa contrapartida o que se teria seria uma afronta à organização sindical que nunca se viu em toda a história do Brasil, nem mesmo nos períodos assumidamente ditatoriais: de 1937 a 1945; e de 1964 a 1985.
Assim, dentro dos padrões jurídicos determinados pela suposta modernização das relações de trabalho trazida pela Lei nº 13.467/17, os trabalhadores poderão se organizar livremente em sindicatos, sem qualquer parâmetro obrigatório de categorização, bastando a identidade de interesses e a liberdade do trabalhador de se associar a um sindicato.
Perde sentido, igualmente, o requisito do registro sindical, a não ser para o mero efeito de arquivo de informação, o que, inclusive, torna ineficaz a estratégia de conduzir as atividades relativas ao registro sindical ao Ministério da Justiça, mediante controle de um ex-delegado da Polícia Federal.
Ainda assim, seria uma forma de interferência indevida na organização sindical, porque o Brasil ratificou, desde 1952, a Convenção 98 da OIT, segundo a qual a participação do Estado na organização sindical só se justifica para garantir que os sindicatos sejam livremente constituídos e para que possam atuar.
Além disso, a Convenção 87 da OIT, embora não ratificada pelo Brasil, figura como uma das convenções fundamentais eleitas em 1998 e elencadas na DECLARAÇÃO DA OIT SOBRE OS PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO[x] que deve ser observada pelos países membros, independentemente de ratificação. Segundo essa convenção, “os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas” (art. 2º).
A compreensão de que se tem como necessariamente superado o conceito de categoria profissional nos moldes pré-fixados na CLT, em decorrência do fim do imposto sindical e, portanto, do sistema que legitimava tal conceito, implica a construção de novas bases para o convívio coletivo da classe trabalhadora.
É possível cogitar, portanto, a legitimidade de negociação da empresa com o sindicato que for mais representativo, isto é, aquele que tenha maior número de associados entre os que atuam na empresa. Ou ainda, se a negociação for realizada com entidade patronal que represente mais de uma empresa, com o sindicado que, igualmente, possua maior número de associados entre todos, atendido o requisito delimitador da base territorial mínima do município (art. 8º, II, da CF).
É também razoável compreender que apenas os associados, dos quais é possível cobrar contribuição, serão atingidos pelos efeitos da negociação, ainda mais diante de uma lei que tentou permitir a negociação “in pejus”. Por outro lado, nada impede, que os sindicatos, por seus estatutos ou assembleias, fixem contribuições também para os não associados pela conclusão de instrumentos normativos que lhe tragam ganhos efetivos.
E quando se fala em associação a partir da representatividade pelo número de associados o que se está dizendo, concretamente, é que pouco importa a eventual classificação que o trabalhador adquira em determinada unidade produtiva, comercial, financeira, administrativa, ou o modo como será denominado (terceirizado, estagiário, efetivo ou temporário).
O conceito de categoria profissional, doravante, será definido, portanto, pela própria classe trabalhadora organizada, e poderá abranger inclusive os aposentados, os desempregados, pessoas que em linha de princípio, na configuração atual, não poderiam ser abrangidas pela representatividade sindical.
Enfim, o efeito extraído da opção pelo fim da contribuição sindical obrigatória, nos termos fixados na Lei n. 13.467/17, é o de se abrir o campo para um novo conceito de categoria profissional, que permita à classe trabalhadora, sem as amarras do Estado, reforçar o seu poder negocial perante o capital, nos precisos termos da Constituição de 1988 e das Convenções 87 e 98 da OIT.
Outro efeito, igualmente necessário à garantia do estabelecimento das condições mínimas à negociação coletiva, é o da eliminação da intervenção judicial na deliberação dos trabalhadores em torno de quais interesses por meio da greve pretendem defender e do modo como irão realizá-la, valendo lembrar que a ordem jurídica é voltada a garantir o exercício da greve e não a inviabilizá-la, como definido pelo Supremo Tribunal Federal, no MI 712, em consonância, aliás, com o art. 9º da Constituição Federal.
Diante dessas proposições, deixamos, então, a pergunta: quem tem efetivamente medo de mudanças e da liberdade sindical?
São Paulo, 21 de fevereiro de 2019.
[i]. Em verdade, como registrado em outra oportunidade, trata-se de “Deforma” ao invés de reforma. “É surpreendente que a substituição de um único caractere – o ‘R’ pelo ‘D’ – possa causar tamanho desconforto entre os juristas, não obstante, o amor à verdade assim o exigir. O sufixo mantém-se em ambas as palavras, no caso concreto, tratamos da forma que sofre alterações. Ao reformar, temos uma alteração da forma que, mantendo sua essência, melhora sua expressão. Em sentido oposto temos a deforma que, alterando a forma da coisa, a piora a tal ponto que ameaça de extinção a essência do próprio original.” Cf. YAMAMOTO, Paulo C. As Ações Diretas de Inconstitucionalidade movidas no Supremo Tribunal Federal contra a Deforma Trabalhista., in: SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; SEVERO, Valdete Souto (coord.). Resistência II: defesa e crítica da Justiça do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2018, p. 341.
[ii]. Tais ataques à legislação trabalhista não são novos. Apesar de já terem sido amplamente refutados no campo acadêmico, frequentemente retornam às manchetes como mantra neoliberal. Tanto assim que sob o curioso título de “O MITO – 70 anos da CLT: um estudo preliminar”, nosso Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital da FDUSP lançou em 2015 coletânea de trabalhos apresentados em 2013 sobre a história do Direito e da Justiça do Trabalho no Brasil com o intuito de desmistificar alguns lugares comuns frequentemente difundidos por aqueles que se esforçam para destruir os Direitos Sociais no país.
[iii]. Há registro de greve dos ferroviários em 1863; dos estivadores em 1877; dos trabalhadores nas docas de Santos em 1897; e dos cocheiros e condutores da Carris em 1898. SEGATTO, José Antônio. A formação da classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 60.
[iv]. No mesmo ano, foi também publicado o Decreto 1.637, que criava sociedades cooperativas e permitia a organização de sindicatos mistos, “chamados de harmonia, constituídos de empregados e patrões”. Uma greve geral pela jornada de oito horas mobilizava várias categorias: deflagrada em maio, a greve alcançava metalúrgicos, pedreiros, sapateiros, marmoristas, gráficos, tecelões, chapeleiros, trabalhadores em limpeza, madeireiros e costureiras. Estas últimas conseguiram apenas reduzir a jornada para 9h ou 9h30min de trabalho. Algumas costureiras foram presas, sob a acusação de serem “cabeças da greve”. CARONE, Edgar. Movimento Operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: DIFEL, 1979, p. 96-98.
[v]. “Em julho de 1917 houve greve geral em São Paulo, paralisando completamente, durante vários dias, todo o movimento da cidade. Os operários de todas as fábricas exigiam aumento de salário. A adesão de diversos grupos fez com que cessasse todo o movimento citadino. Esta greve-marco foi a primeira greve geral em um Estado do Brasil. Os anarquistas dirigiram o movimento; o comércio fechou, os transportes pararam e o governo impotente não conseguiu dominar o movimento pela força. Os grevistas tomaram conta da cidade por trinta dias. Leite e carne só eram distribuídos a hospitais e, mesmo assim, com autorização da comissão de greve. O governo abandonou a capital.” LINHARES, Hermínio. Contribuição à História das Lutas Operárias no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1977, pp. 61-2.
[vi]. MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2002, p. 39
[vii]. MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2002, p. 40
[viii]. Interessante notar que o primeiro doutrinador jus-trabalhista brasileiro, Evaristo de Moraes, em obra de 1905 – portanto, anterior ao Governo Vargas – registra que a redação original que entrou em vigor do Código Penal de 1890 previa tipo específico para “Seduzir ou aliciar operários e trabalhadores para deixarem os estabelecimentos em que forem empregados, sob promessa de recompensa ou ameaça de algum mal” (art. 205) e para “Causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho, para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário” (art. 206). Porém, segundo o autor, após intensa mobilização operária, tais dispositivos foram rapidamente revogados. P. 58-9
[ix]. O tema do registro sindical, sua função política e sua evolução normativa e jurisprudencial no pós-88 foi abordado em YAMAMOTO, Paulo C. Trabalhadores unidos, Direito em ação: crítica da legalização da classe operária brasileira sob o sindicalismo de Estado pós-88. 2016. 304 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo
[x]. https://www.ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf, acesso em 09/1/2019.