Parecer Técnico
Assunto: Inconstitucionalidade dos artigos 790-B (caput e § 4º), 791-A, § 4º e 844, § 2º da CLT, com a redação que lhes fora dada pela Lei n. 13.467/17
O Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, cumprindo o seu papel institucional de contribuir com a formação do conhecimento a respeito do Direito do Trabalho e do Direito da Seguridade Social, na linha, inclusive da Moção de Repúdio às propostas de destruição do Direito do Trabalho e de extinção da Justiça do Trabalho, aprovada pela Congregação da Faculdade de Direito da USP, em 30/11/17, vem a público manifestar sua posição sobre tema de alta relevância jurídica, refletido na ADI 5766, movida pela Procuradoria Geral da República, cujo julgamento, no Supremo Tribunal Federal, foi marcado para o dia 03/05/18.
A posição do Departamento é firme no sentido da inconstitucionalidade dos artigos 790-B (caput e § 4º), 791-A, § 4º e 844, § 2º da CLT, com as redações que lhes foram dadas pela Lei n. 13.467/17.
a) “Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.
§ 4o Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.”
b) “Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
§ 4o Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.”
c) “Art. 844. ..............................................................
§ 2o Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.”
Há uma contradição insuperável na intenção do legislador, pois vislumbra dificultar o acesso à justiça exatamente às pessoas para as quais o benefício da assistência judiciária gratuita foi direcionado para que pudessem ter acesso à justiça.
Neste sentido, as previsões legais em questão contrariam a própria essência do instituto da assistência judiciária gratuita, quebrando toda a tradição jurídica desenvolvida sobre o tema, e ainda, afrontam, literalmente, o inciso LXXIV do art. 5º da CF, que dispõe: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” – grifou-se.
No Direito do Trabalho, o pressuposto teórico é o do reconhecimento da desigualdade material entre o capital e o trabalho, de modo que aos trabalhadores são garantidos preceitos jurídicos mínimos, como forma de consagração de sua cidadania.
Nesse contexto, qualquer forma de impedimento aos trabalhadores, sobretudo àqueles a quem não se possa negar a condição de hipossuficiência econômica, de terem acesso ao Judiciário representa uma ofensa ao projeto constitucional e aos direitos fundamentais que a Constituição reservou aos trabalhadores.
Cumpre lembrar que no art. 98 do Código de Processo Civil se conferiu à “pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios” o direito “à gratuidade da justiça”.
Segundo esse mesmo artigo, a gratuidade da justiça compreende:
“I - as taxas ou as custas judiciais;
II - os selos postais;
III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.”
A gratuidade, portanto, foi estabelecida no sentido próprio da palavra, ou seja, para a eliminação de todo o custo do processo que impeça ou dificulte o acesso à justiça, o que não afastou a possibilidade da aplicação de multas processuais ao beneficiário, mas apenas no caso em que este exerça o direito processual de forma abusiva (§ 4º do mesmo artigo).
A única exceção que o artigo 98 admite e que, de fato, não constitui uma exceção, diz respeito à obrigação de pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios que decorram da sucumbência (§ 2º), mas que somente poderão ser cobradas pelo credor se, no prazo de 05 anos, se o beneficiário superar a situação econômica que lhe conferiu o direito à gratuidade, cabendo, inclusive, ao credor fazer prova a respeito (§ 3º), até porque “presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural” (§ 3º do art. 99).
Dizem, expressamente, os dispositivos citados:
“§ 2o A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.
§ 3o Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.”
Cabe fazer menção, ainda, à regra do § 4º do art. 99, no sentido de que “a assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça”.
As normas inseridas na CLT pela Lei n. 13.467/17, que são objeto da ADI 5766, no entanto, sugerem que o próprio proveito econômico obtido pelo trabalhador no processo seja utilizado para o pagamento das despesas do processo, incluindo os honorários da parte contrária, estabelecendo, desse modo, objetivamente, um rebaixamento da cidadania dos trabalhadores na comparação com os demais cidadãos em outras relações jurídicas, contrariando a própria essência do Direito do Trabalho.
Neste sentido, os dispositivos em questão não merecem sequer o atributo de normas trabalhistas, vez que sua preocupação fundamental foi a de negar a garantia constitucional de amplo acesso à Justiça aos trabalhadores.
Essa “estratégia legislativa”, inclusive, já vem repercutindo gravemente no número de reclamações trabalhistas.
No entanto, a redução de litigiosidade, apoiada no artificialismo jurídico que submeteu os trabalhadores à ameaça de custos processuais, quebrando a eficácia do princípio do acesso à justiça, só representa maior incentivo ao descumprimento da legislação do trabalho, gerando aumento do sofrimento nas relações de trabalho, intensificação do processo de acumulação da riqueza, quebra do sistema previdenciário, diminuição do consumo e agravamento da crise econômica, com efeito inevitável na insegurança pública.
Recentemente, muito se falou sobre o grande número de reclamações trabalhistas movidas no Brasil, que, em 2016, chegou a 3,9 milhões. Ocorre que desse total apenas 7% foram julgadas totalmente improcedentes, significando que o alto número de reclamações está, de fato, ligado ao elevado estágio de descumprimento da legislação.
Assim, a negação do acesso à justiça só serve para incentivar ainda mais essa prática, que, como dito, não é perniciosa apenas para os trabalhadores individualmente considerados.
Vale reparar que dias após se divulgar a queda do número de reclamações trabalhistas, apontada por alguns, inclusive, como efeito benéfico da nova lei[i], já se anunciava o aumento da concentração da renda[ii] e do desemprego[iii], além da abertura de vagas de trabalho apenas para uma remuneração de até dois salários mínimos[iv], a queda do número de trabalhadores com carteira assinada[v] e o aumento do trabalho informal[vi], evidenciando o caráter precarizante da nova lei[vii].
Acompanha a constatação da diminuição do número de reclamações até mesmo o argumento de que se pode pensar na extinção da Justiça do Trabalho, desprezando-se a importância dessa instituição na efetivação dos direitos de milhões de brasileiros e brasileiras.
Olvida-se, inclusive, a relevância dos valores arrecadados pela Justiça do Trabalho para a Previdência Social e o quanto o mero advento da Lei n. 13.467/17 contribui para a retração desse número, em detrimento de várias políticas públicas relacionadas ao trabalho. Em 2016, a Justiça do Trabalho arrecadou R$ 2.385.672.884,90 para a Previdência Social. Em 2017, já sob o assombro da nova lei, esse número foi reduzido para R$ 1.356.057.399,35[viii].
Do ponto de vista do impulso à economia, a Justiça do Trabalho, em 2016, pagou aos reclamantes a importância de R$ 22.608.515.918,05, dinheiro que, certamente, serviu à circulação de mercadorias e ao impulso da produção. No ano de 2017, também como efeito do assédio da “reforma”, esse número foi reduzido para R$ 13.246.602.442,95[ix], o que, inegavelmente, repercute, negativamente, na produção, no consumo e na geração de empregos.
Dentro desse contexto, a imposição de obstáculos ao acesso à justiça acaba sendo elemento decisivo para abalar a economia nacional, ainda mais se considerada também a enorme redução da atuação da fiscalização do trabalho, que, inclusive, está próxima do ponto da quase eliminação do combate ao trabalho em condição análoga à de escravo[x].
O que está em discussão na ADI 5766, portanto, não é meramente uma formalidade legal ou uma espécie de modo peculiar ou pessoal de compreender o sentido de determinada norma jurídica. O que está em jogo é a viabilidade do modelo de sociedade preconizado no pacto firmado por ocasião da elaboração da Constituição de 1988, que sequer, até hoje, foi completamente cumprido, sendo certo que todas as experiências já tomadas para negar validade ao projeto de Estado Social Democrático de Direito, mantidas as bases econômicas do capitalismo, sobretudo em um país de economia dependente como a do Brasil, já se mostraram desastrosas, tendo servido apenas para aumentar os problemas econômicos e sociais que atingem, no nível do desespero, milhões de brasileiros e brasileiras.
Há uma grande responsabilidade, portanto, na definição jurídica sobre a questão do acesso à Justiça do Trabalho, exigindo-se, antes de tudo, avaliação profunda de todas as matérias que com ela se interligam.
Mesmo o raciocínio mais simplista, extraído da lógica formal, conduz à inviabilidade jurídica das leis que criam obstáculos específicos de acesso do pobre à Justiça do Trabalho.
Ora, se, por uma questão de cidadania, a todos, sem distinção, é dado o direito de acesso ao Judiciário e se é entendido que com relação ao pobre existe um obstáculo que precisa ser superado pela assistência judiciária gratuita, para que o princípio isonômico seja concretizado, não se pode fixar o pagamento de honorários prévios e honorários advocatícios a quem é alvo de assistência judiciária gratuita porque isso é o mesmo que negar a essas pessoas o acesso à justiça, diminuindo-lhe a cidadania.
Não cabe, no conflito de normas estabelecido, invocar a aplicação da nova “lei trabalhista” por ser mais específica, porque, em se tratando de garantias fundamentais, a regra específica não pode reduzir o patamar já alcançado por norma mais ampla, vez que isso representaria a consagração de um estrato social determinado, ao qual se imporia uma condição de subcidadania.
Quando o tema é a preservação de garantias fundamentais, o conflito de normas se resolve pela aplicação da regra de maior proteção, ou, como fixado na base teórica do Direito do Trabalho, pela aplicação da norma mais favorável à condição humana. Sendo assim, em termos de direitos fundamentais, o geral, quando mais benéfico, pretere o específico.
E também não se pode conceber que uma condição de cidadania já alcançada possa ser reduzida, mesmo por imposição legislativa, sob pena de ferir a cláusula geral de proteção dos direitos fundamentais do não retrocesso, traduzida no Direito do Trabalho pelo princípio da condição mais benéfica, que, inclusive, tem sede constitucional, conforme previsão do “caput” do art. 7º, o qual estabeleceu que os direitos trabalhistas são aqueles que ali se relacionou e quaisquer outros que “visem à melhoria” da condição social dos trabalhadores.
Ademais, nem mesmo fora do âmbito da assistência judiciária gratuita é possível estabelecer custos processuais que anulem o benefício econômico obtido no processo, pois, de fato, o processo não cria direitos ou valores econômicos, servindo, meramente, como regra, para declarar direitos pré-existente e definir os efeitos econômicos da agressão a esses direitos, sendo que no Direito do Trabalho, inclusive, esses efeitos já estão fixados no próprio corpo normativo. Então, se o beneficiário da justiça gratuita aufere algum valor no processo isso diz respeito a uma situação pretérita que, inclusive, já foi avaliada para fins da concessão da assistência judiciária gratuita e que apenas reflete o dano jurídico experimentado decorrente do ato de ilegalidade cometido pela parte contrária, que, inclusive, provocou a propositura da ação.
Considerar, como propõem os artigos postos à discussão, indo além, inclusive, do que dispõem a respeito os artigos do CPC, que o ganho obtido no processo pelo beneficiário da justiça gratuita possa ser utilizado para pagar despesas do processo e até os honorários advocatícios da parte contrária é o mesmo que negar a gratuidade integral ao beneficiário que formulou pretensões procedentes, ou seja, àquele que, ao menos em parte, tem razão, e manter a gratuidade integral unicamente para o beneficiário que não tem razão alguma, invertendo a própria utilidade de todo o aparato jurisdicional.
Além disso, gera a situação inconcebível de que o efeito da ilegalidade praticada pelo reclamado, cometida durante meses ou anos, considerando-se a característica da relação de emprego, de ser uma relação jurídica de trato sucessivo, seja parcialmente anulado pela própria via institucional voltada ao resgate da autoridade da ordem jurídica, beneficiando a quem cometeu a ilicitude, isto porque o reclamante, beneficiário da assistência gratuita, que adquire algum valor no processo, mas sucumbe em outros, teria que pagar o advogado da reclamada (empresa) com o que houve por direito em função da ilegalidade cometida pela reclamada. Assim, parte da ilegalidade é revertida em proveito de quem cometeu o ato ilícito.
Bem diferente é a regra do processo civil – que sequer seria aplicável ao processo do trabalho, dada a maior proteção jurídica que se deve conferir aos trabalhadores em sua relação com o capital, que, ademais, é produzido pela força de trabalho dos trabalhadores – que permite a cobrança posterior dessa dívida constituída no processo (em decorrência da sucumbência) caso se demonstre a mudança completa de patamar da condição econômica daquele que havia sido beneficiário da assistência gratuita, mas isso, claramente, considerando a situação futura e não a pretérita que diz respeito ao processo no qual o benefício foi concedido. O proveito econômico obtido no processo pelo beneficiário da justiça gratuita não serve ao pagamento desses custos do processo pela simples e lógica razão de que fora concedido ao beneficiário tal direito para que não receasse entrar com a ação.
Há um interesse público em não dificultar o acesso à justiça para que a autoridade da ordem jurídica, de direito material, seja preservada e isso é ainda mais relevante quando se refere aos direitos sociais, essencialmente ligados a questões de ordem pública.
É essencial, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, obste, por meio da declaração da inconstitucionalidade dos dispositivos em questão, a ocorrência de todos os problemas jurídicos, econômicos, sociais e humanos acima mencionados e que decorrem da negação do acesso à Justiça do Trabalho. A garantia do acesso à justiça não pode ser anulada pela própria via processual porque, com isso, se corre o grave risco de destruir a eficácia de todo o aparato protetivo da condição humana dos trabalhadores.
Em um caso, que ganhou grande repercussão midiática[xi], a reclamante foi condenada a pagar R$67.500,00 a um empregador. Ocorre que, na mesma sentença, foi reconhecido que o empregador feriu, diariamente, durante toda vigência da relação de emprego, vários direitos trabalhistas da reclamante, pelo que se chegou inclusive, a uma condenação no montante de R$50.000,00. No entanto, como alguns pedidos da reclamante foram julgados improcedente, notadamente um que dizia respeito ao recebimento de indenização por dano moral, gerando a condenação da trabalhadora ao pagamento de honorários do advogado do empregador, o que restou como mensagem foi que a ilegalidade reiterada cometida pela empresa, que atingiu preceitos de direitos fundamentais, inclusive, foi menos grave do que uma afirmação feita pela reclamante na petição inicial.
Todo o ilícito cometido, durante anos, pelo empregador foi perdoado porque a reclamante, na avaliação judicial feita, expressou, na petição inicial, uma pretensão improcedente. Assim, por obra da abstração processual, com aparência de moralização, chegou-se ao resultado de que o infrator contumaz da ordem jurídica cometeu uma infração de muito menor potencial ofensivo do que a reclamante que (mesmo sem ser considerada litigante de má-fé) deduziu uma pretensão improcedente. No caso, o empregador, declaradamente agressor da ordem jurídica trabalhista, não só foi perdoado como também se viu premiado, saindo do processo credor da reclamante, a quem nenhum ato de ilegalidade foi imputado.
Importante ressaltar que essas vultosas condenações em honorários aos reclamantes têm tomado como parâmetro os pedidos de indenização por dano moral por agressão a direitos de personalidade ou pela ocorrência de acidentes de trabalho (incluindo doenças profissionais), o que torna as condenações em questão ainda mais desprovidas de fundamento jurídico e muito mais graves, do ponto de vista da efetividade dos Direitos Humanos.
No que se refere aos pleitos de indenização, os valores do pedido são apenas indicativos. Concretamente, o valor eventualmente devido é livremente fixado pelo juiz, tendo à vista as peculiaridades do caso e quase sempre é totalmente desvinculado do valor expresso na inicial, até porque a configuração do dano e seus efeitos, no que se refere aos acidentes do trabalho, por exemplo, depende de perícia médica, realizada no curso do processo por profissional habilitado e de confiança do juízo.
A pretensão do reclamante a respeito desses objetos, portanto, é quase sempre uma suspeita, já que não sendo médico ou perito não possui o conhecimento necessário para fazer, tecnicamente, essa avaliação, o que se dá também com relação às pretensões pertinentes à insalubridade e periculosidade.
Com relação aos acidentes de trabalho, ademais, a regra básica é a de que esse tipo de ação, mesmo em outras esferas do Judiciário, deve ser isento de qualquer custo, para que não se impeça que as discussões a respeito, dada a sua relevância social, com imensa repercussão até mesmo no potencial econômico do país, não deixem de chegar aos órgãos públicos. Há, por assim dizer, um interesse público em não criar obstáculos para que a temática dos acidentes do trabalho e as questões que digam respeito à saúde e à segurança no trabalho sejam levadas ao Judiciário.
É este, precisamente, aliás, o sentido do art. 129, da Lei n. 8.213/91, destinado às ações em face do INSS, mas plenamente aplicável às ações trabalhistas, com o seguinte teor:
“Art. 129. Os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:
I - na esfera administrativa, pelos órgãos da Previdência Social, segundo as regras e prazos aplicáveis às demais prestações, com prioridade para conclusão; e
II - na via judicial, pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumaríssimo, inclusive durante as férias forenses, mediante petição instruída pela prova de efetiva notificação do evento à Previdência Social, através de Comunicação de Acidente do Trabalho–CAT.
Parágrafo único. O procedimento judicial de que trata o inciso II deste artigo é isento do pagamento de quaisquer custas e de verbas relativas à sucumbência.” – grifou-se
Por fim, uma palavra sobre o § 2º do art. 844, que estipula custas ao beneficiário da justiça gratuita, ou seja, àquele a quem a própria lei considera que não tem condições de arcar com os custos do processo, quando se dá o arquivamento do processo pela ausência do reclamante à audiência.
Esse dispositivo pressupõe a má-fé, mas, para se punir um ato processual abusivo é preciso que haja prova de sua ocorrência.
O texto legal, além de quebrar a presunção de boa-fé para beneficiar, de forma não razoável e desproporcional, os empregadores, cria um enorme paradoxo, porque os motivos para o não comparecimento à audiência podem (e, na prática, em geral, estão) estar ligados à própria insuficiência de recursos do reclamante e não há na lei, como vincula o § 2º do art. 844, uma justificativa que se possa fazer a partir dessa condição, que foi, ademais, a determinante para a concessão do direito ao benefício. Reconhece-se que o reclamante – que, na maior parte das vezes na Justiça do Trabalho é um desempregado – não tem condições econômicas para suportar os custos do processo, mas não se permite que esse mesmo reclamante invoque as dificuldades econômicas (que são de toda ordem) para justificar o seu não comparecimento à audiência.
A condição que gerou o direito à gratuidade não pode ser utilizada como justificativa para afastar a aplicação da punição de uma lei que, em situação concreta, negou a gratuidade.
Assim, o dispositivo se apresenta como uma forma de amedrontar os trabalhadores e as trabalhadoras. Trata-se, por conseguinte, da mera criação de mais um obstáculo ao acesso à justiça, sobretudo quando se faz acompanhar de outra regra, a do § 3º do mesmo artigo, que condiciona a possibilidade da propositura de nova reclamação pelo mesmo reclamante ao pagamento das custas do arquivamento (referidas no § 2o).
Desse modo, por todos os ângulos que se examine a questão, não há como se possa declarar constitucionais os dispositivos atacados pela ADI 5766, sob pena de termos que refundar toda a construção jurídica brasileira, jogando por terra o enorme esforço até aqui empreendido para “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, conforme fixado no preâmbulo da Constituição Federal de 1988.
São Paulo, 1º de maio de 2018.
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Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social
Professor Associado Jorge Luiz Souto Maior
Chefe do Conselho Departamental
[i]. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,nova-lei-trabalhista-faz-desaparecer-acoes-por-danos-morais-e-insalubridade,70002249757
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/04/incentivo-correto.shtml
[ii]. https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2018/04/27/desemprego-pnad-ibge.htm
[iii]. https://www.msn.com/pt-br/dinheiro/economia-e-negocios/desemprego-a-131percent-se-soma-%c3%a0-incerteza-pol%c3%adtica-e-refor%c3%a7a-freio-%c3%a0-retomada-econ%c3%b4mica/ar-AAwr20X?li=AAkXvDK&ocid=spartanntp
https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2018/04/27/desemprego-pnad-ibge.htm
[iv]. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/04/brasil-so-cria-vagas-de-trabalho-de-ate-2-salarios.shtml
[v]. https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/desemprego-fica-em-131-em-marco-e-atinge-137-milhoes-de-pessoas.ghtml
[vi]. https://br.sputniknews.com/brasil/2018022810628933-desemprego-brasil-trabalho-informal-cresce/
[vii]. http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2018/02/trabalhadores-informais-denunciam-dificuldade-em-encontrar-vagas-registradas
[viii]. http://www.tst.jus.br/arrecadacao
[ix]. http://www.tst.jus.br/jt-valores-pagos
[x]. https://g1.globo.com/economia/noticia/fiscalizacao-do-trabalho-escravo-cai-e-verba-do-setor-termina-em-agosto-dizem-entidade-e-sindicato.ghtml
[xi]. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/12/13/juiz-condenacao-ex-funcionaria-itau.htm
https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2017/12/ex-funcionaria-e-condenada-pagar-r-675-mil-ao-itau.html
https://exame.abril.com.br/negocios/ex-funcionaria-e-condenada-a-pagar-r-675-mil-ao-itau/
http://diariodovale.com.br/destaque/ex-bancaria-de-volta-redonda-e-condenada-a-pagar-r-675-mil-ao-itau/