Valdete Souto Severo
Hugo Cavalcanti Melo Filho
Igor Cardoso Garcia(*)
Inicialmente, consignamos o pequeno desabafo de que depois de um ano tão duro, de necessária resistência contra o desmonte de muito daquilo que defendemos, e por termos participado ativamente das ações voltadas a essa resistência, com prejuízo, evidente, de saúde e de convívio familiar e social, consideramos que não merecíamos passar um final de ano com a preocupação de ter que rebater manifestações de companheir@s de luta.
De todo modo, é essencial deixar o registro histórico dos fatos tais como efetivamente ocorreram, principalmente porque se um jornal de grande circulação, em sua versão para a internet, se dignou de difundir, publicamente, incidente que envolve juízes do trabalho, talvez o tenha feito com o propósito de alimentar dissidências e desgastar profissionais e entidades trabalhistas; e mesmo que não tenha sido essa a intenção o efeito pode ser este, tornando-se, necessário, então, esclarecer os fatos.
Na sequência, a notícia traz o Manifesto mencionado e o teor de um Comunicado de esclarecimento do Presidente da Anamatra que, diante da crítica feita pelo abaixo-assinado, se justifica dizendo que não foi consultado sobre o teor do Manifesto, negando, assim, que o Manifesto represente uma nota oficial da Anamatra, sobretudo por não concordar com seu conteúdo quando este supostamente teria negado legitimidade jurídica e autoridade política ao STF.
A celeuma, no entanto, é fruto de uma aparente má vontade em entender o que está descrito no Manifesto, isso para não tratar a questão como resultado de má fé, no que, efetivamente, não queremos acreditar.
O teor do Manifesto não traz nenhuma ofensa institucional e a inversão de seu sentido é uma atitude bastante grave. Ora, quando se diz que alguém “não é apto para alguma coisa” não está autorizada a ilação de que se tenha dito que esse alguém “é inapto para tudo”.
Assim, quando se diz que o STF não tem legitimidade jurídica e autoridade política “para promover uma reforma trabalhista em detrimento dos direitos dos trabalhadores” é somente disso, e precisamente disso, que se está falando e nada mais. Nenhuma regra de gramática ou técnica de interpretação de texto permite que se chegue a uma conclusão ampliativa da frase, que, portanto, lida de outro modo, podia conferir a quem a redigiu o direito de tomar a interpretação distorcida como um ato leviano ou mesmo como um crime contra a honra.
Percebe-se, ademais, no abaixo-assinado e no Comunicado do Presidente da Anamatra uma intenção de “desagravar” o Supremo Tribunal Federal, mas que não encontra substrato na realidade porque o Manifesto, afinal, não representa uma ofensa institucional e sim um ato de resistência, porque nega que o Supremo possa promover uma reforma trabalhista prejudicial aos trabalhadores, o que, de fato, não pode realizar. O papel do STF é o de guardião da Constituição Federal e nesta encontram-se inscritos os direitos trabalhistas como direitos fundamentais, abrangidos por cláusula pétrea, para cumprirem o objetivo de melhorar a condição social dos trabalhadores. Tais direitos estão garantidos, no mínimo, pelo princípio do não-retrocesso, preceito básico dos Direitos Humanos, dos quais o Direito do Trabalho é a essência. O STF não pode desdizer a Constituição e, sobretudo, não pode desprezar as conquistas históricas dos trabalhadores e da humanidade como um todo.
No aspecto da atuação revisionista e regressiva do STF com relação aos direitos dos trabalhadores, cumpre, ademais, refrescar a memória dos companheir@s.
Em 2007, O STF reconheceu a legitimidade das greves de estudantes, dos métodos de luta, incluindo a ocupação, e do conteúdo político das reivindicações. O Supremo Tribunal Federal consagrou a noção constitucional de que a greve é destinada aos trabalhadores em geral, sem distinções, e que a estes “compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender”, sendo fixado também o pressuposto de que mesmo a lei não pode restringir a greve, cabendo à lei, isto sim, protegê-la. Esta decisão consignou de forma expressa que são “constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, greves políticas, greves de protesto” (Mandado de Injunção 712, Min. Relator Eros Roberto Grau).
Na esteira dessa decisão, a Justiça do Trabalho, em decisões reiteradas de primeiro e segundo graus, ampliou o sentido do direito de greve como sendo um “direito de causar prejuízo”, extraindo a situação de “normalidade”, com inclusão do direito ao piquete, conforme decisões proferidas na 4ª. Vara do Trabalho de Londrina (processo n. 10086-2013-663-09-00-4), no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª. Região (processo n. 0921-2006-009-17-00-0), na Vara do Trabalho de Eunápolis/BA (processo n. 0000306-71-20130-5-05-0511).
Na mesma linha, a Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em ação civil pública movida pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e Região (Processo n. RR 253840-90.2006.5.03.0140, Rel. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho), condenou alguns Bancos (ABN AMRO Real S.A., Santander Banespa S.A., Itaú S.A., União de Bancos Brasileiros S.A. - UNIBANCO, Mercantil do Brasil S.A., Bradesco S.A., HSBC Bank Brasil S.A. - Banco Múltiplo e Safra S.A) a pagarem indenização à classe trabalhadora por terem utilizado a via judicial – Interdito Proibitório – como forma de tentar impedir o exercício do direito de greve, tendo sido tais práticas dos Bancos caracterizadas como condutas antissindicais.
Houve, inclusive, tentativa de retirar da Justiça do Trabalho a competência para julgamento dos interditos, mas na Reclamação n. 16337, o Min. Dias Toffoli, em decisão monocrática, assegurou a competência da Justiça do Trabalho para tratar de questões que envolvem o direito de greve, nos termos da Súmula Vinculante n. 23, do STF, integrando, inclusive, o piquete a tal conceito.
O Supremo não se limitou a isso e estabeleceu o preceito de que o exercício do direito de greve não daria ensejo ao corte de ponto: Rcl n. 11536 GO, Relator Min. Cármen Lúcia; Rcl n. 11847-BA, Relator Min. Joaquim Barbosa.
Além dos julgamentos mencionados ainda pode ser citada a decisão da lavra do Min. Luiz Fux, na Reclamação n. 16535, que reformando decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) no que tange ao corte de ponto dos professores da rede estadual em greve, definiu: "A decisão reclamada, autorizativa do governo fluminense a cortar o ponto e efetuar os descontos dos profissionais da educação estadual, desestimula e desencoraja, ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos servidores, verdadeira garantia fundamental".
Essa também foi a interpretação acatada pelo Ministro Edson Facchin no Recurso Extraordinário 693456, com repercussão geral, que se encontra com processamento suspenso no Supremo Tribunal Federal.
A atuação do Supremo, favorável ao exercício do direito de greve, no entanto, foi mantida sobre fiscalização atenta da mídia[ii], o que lhe valeu, inclusive, em novembro de 2014, a crítica de que estava se tornando uma Corte bolivariana[iii], embora, na prática, com exceção da questão pertinente à greve, já estivesse, desde 2009, cumprindo o papel que foi recusado pelo TST, de inserir uma racionalidade liberal no Direito do Trabalho.
A mudança de rumo do STF, verificada de 2009 em diante, conforme mais abaixo explicitado, foi, inclusive, expressamente comemorada pela grande mídia em dezembro de 2015[iv], ao mesmo tempo em que tecia severas críticas ao TST, em razão das decisões que obstavam demissões em massa[v], como se a redução de empregos pudesse salvar a economia e como se tal forma de lidar com os trabalhadores, conduzindo-os ao desemprego no primeiro sinal de crise, para, inclusive forçá-los a aceitar redução de ganhos, não fosse uma agressão explícita aos preceitos constitucionais da vinculação da economia aos ditames da justiça social (art. 170) e da essencialidade da proteção da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, incisos III e IV).
O fato concreto é que, talvez para rejeitar a acusação de bolivarianismo, o STF, assumiu para si a responsabilidade de introduzir a lógica econômica no Direito do Trabalho, utilizando-se dos instrumentos criados pela Reforma do Judiciário.
Desde 2009, com um aumento expressivo em 2016, o STF tem dado atenção especial às questões trabalhistas, para o efeito de acolher a demanda midiática em torno da “reforma trabalhista”, que não é outra senão uma retirada de direitos. Com isso, o STF tem interferido, de forma estrutural, nos posicionamentos jurisprudenciais do TST, desautorizando toda a construção jurídica trabalhista doutrinária e jurisprudencial.
A retração de direitos trabalhistas imposta pelo STF pode ser constatada nas seguintes decisões:
a) ADI 3934, maio de 2009, relator Ministro Ricardo Lewandowski: o STF declarou a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 60[vi] e do inciso I, do artigo 83[vii], ambos da Lei de Recuperação Judicial (Lei n. 11.101/05), que, respectivamente, nega a sucessão trabalhista na hipótese de alienação promovida em sede de recuperação judicial; e limita o privilégio do crédito trabalhista em 150 salários.
b) ADC 16, novembro de 2010, relator Ministro César Peluso: o STF declarou a constitucionalidade do art. 71, da Lei n. 8.666/93, que dispõe não ser o ente público sequer responsável subsidiário pelos direitos trabalhistas dos empregados que lhes prestam serviços por intermédio de empresa terceirizada.
c) RE 586.453 e RE 583.050, fevereiro de 2013, relatores, Ministro Joaquim Barbosa e Ministro Cesar Peluso, de autoria da Fundação Petrobrás de Seguridade Social (Petros) e do Banco Santander Banespa S/A, respectivamente: o STF atribuiu à Justiça Comum a competência para julgar os conflitos envolvendo a complementação de aposentadoria dos ex-empregados dessas entidades, contrariando posicionamento firme do TST no sentido de declarar competente a Justiça do Trabalho para o julgamento de tal questão vez que envolve garantia jurídica fixada em norma trabalhista (convenção ou acordo coletivo, ou regulamento de empresa). Essa decisão representou uma grande perda para os trabalhadores também pelo aspecto de que o processo do trabalho, como se sabe, é extremamente mais célere que o processo comum.
d) RE 589.998/PI, março de 2013, Relator Ministro Ricardo Lewandowski: o STF negou o direito à estabilidade, prevista no art. 41 da CF, aos empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista.
e) ARE 709.212, 13 de novembro de 2014, relator Ministro Gilmar Mendes: o STF decidiu que a prescrição para cobrar depósitos do FGTS é de cinco anos, até o limite de dois anos após o término do contrato de trabalho, declarando a inconstitucionalidade do dispositivo legal que, desde 1990, previa uma prescrição de trinta anos para essa cobrança. e contrariando o entendimento pacífico do TST, fixado em súmula (Súmula 95, reforçada em 2003, pela Súmula 362), vigente desde 1980, que fixava em trinta anos essa mesma prescrição.
f) RE 658.312, 27 de novembro de 2014, relator Ministro Dias Tofoli: o STF declarou que o art. 384, da CLT, que prevê um intervalo de 15 minutos para as empregadas antes de iniciado o trabalho em horas extras, foi recepcionado pela Constituição de 1988. A decisão foi positiva para as trabalhadoras, mas foi anulada, posteriormente, por suposto vício processual. Voltou a julgamento no dia 14 de setembro, mas foi retirada de pauta, em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes, ficando a indicação de que a decisão anterior será revista.
g) RE AI 664.335, 9 de dezembro de 2014, relator Ministro Luiz Fux: o STF definiu que o segurado não tem direito à aposentadoria especial, por atividade insalubre em razão de ruído, caso lhe seja fornecido EPI.
h) ADI 5209, 23 de dezembro de 2014, Ministro Ricardo Lewandowisk: em decisão monocrática, acolhe pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), à qual estão associadas grandes construtoras, como a Andrade Gutierrez, Odebrecht, Brookfield Incorporações, Cyrela, MRV Engenharia, suspendeu a vigência da Portaria n. 2, de 2011, referente à lista do trabalho escravo. A decisão do Supremo Tribunal Federal baseou-se na ideia de inexistência de “uma prévia norma legítima e constitucional que permita tal conduta da Administração Pública”. Na decisão, o Ministro do STF se expressou no sentido de que “Embora se mostre louvável a intenção em criar o cadastro de empregadores, verifico a inexistência de lei formal que respalde a edição da Portaria nº 2 pelos ministros de Estado”. Entretanto, como já dissera Márcio Túlio Viana[viii], a lista não é uma sanção, que exigiria previsão legal, mas um ato que atende o princípio da publicidade da administração pública, pois a Portaria apenas torna público o resultado de um ato administrativo. Não se trata, também, de sanção penal, até porque a limitação ao acesso de financiamento público a produtores rurais integrantes da lista é uma “recomendação” e não uma ordem. No dia 31 de março de 2015, adveio a Portaria TEM/SGPR Interministerial n. 2, fixando regras sobre o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condição análoga à de escravo. Esta Portaria revogou a Portaria Interministerial n. 2, de 12 de maio de 2011 e embora tenha estabelecido maiores rigores para a inclusão na denominada “lista suja do trabalho escravo”, de fato, foi editada para atender parâmetros enunciados na decisão do STF (ADI 5209). O cadastro em questão foi criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em 2004, por intermédio da Portaria n° 540.
i) ADI 1923, 15 de abril de 2015, relator Ministro Fux: o STF declarou constitucional a Lei n. 9.637/98, que autoriza os entes públicos a firmarem convênios com Organizações Sociais, para administração dos serviços públicos nas áreas da saúde (CF, art. 199, caput), educação (CF, art. 209, caput), cultura (CF, art. 215), desporto e lazer (CF, art. 217), ciência e tecnologia (CF, art. 218) e meio ambiente (CF, art. 225). A decisão representou uma autorização para a terceirização ampla em atividades que a Constituição definiu como essenciais ao Estado.
j) RE 590.415, 30 de abril de 2015, relator Ministro Roberto Barroso: o STF acolheu a tese do recorrente, Banco do Brasil S/A, tendo como Amicus Curae a empresa Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotores Ltda., no sentido de conferir validade à quitação ampla fixada em cláusula de adesão ao PDV, recusando, por conseguinte, a incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação exclusivamente aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente.
l) RE 895.759 (1159), 8 de setembro de 2016, decisão monocrática do Ministro Teori Zavascki: seguiu na mesma linha da decisão do RE 590.415 e acolheu a validade de norma coletiva que fixa o limite máximo de horas “in itinere”, fazendo, inclusive, uma apologia do negociado sobre o legislado. A decisão não analisa o disposto no § 3º do art. 58 da CLT.
m) ADIN 4842, 14 de setembro de 2016, relator Ministro Celso de Melo: o STF declarou constitucional o art. 5º da Lei n. 11.901/09, que fixa em 12 horas a jornada de trabalho dos bombeiros civis, seguida por 36 horas de descanso e com limitação a 36 horas semanais, contrariando a limitação diária estabelecida no art. 7º, XIII, da Constituição Federal.
n) Reclamação 24.597, 07 de outubro de 2016, decisão monocrática do Ministro Dias Tofoli, que negou a existência do direito de greve aos servidores da saúde em geral e do Poder Judiciário. A reclamação foi proposta pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) contra decisão do TRT da 15ª Região que determinou a manutenção de 70% (setenta por cento) dos trabalhadores e da prestação dos serviços de todos os setores do hospital, durante a greve. O Relator afirmou: “o que se defende nesta reclamatória é a possibilidade de que os trabalhadores contratados por entidade autárquica sejam privados do exercício do direito de greve em razão de o serviço de saúde possuir natureza essencial e inadiável para a população atendida pelo Sistema Único de Saúde” e concluiu: “Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito” (de greve), apesar do texto expresso do art. 37, VII e do art. 9º da CF.
o) Medida Cautelar para Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 323, 14 de outubro de 2016, decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes, em pedido formulado pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN. O Ministro do STF acusou as decisões do TST de serem casuísticas e de favorecerem apenas a um lado da relação trabalhista. Disse que é preciso “valorizar a autonomia coletiva da vontade e da autocomposição dos conflitos trabalhistas” e que o TST, na Súmula 277, proferiu uma “jurisprudência sentimental”, em um ativismo “ingênuo” ou “popularesco”. Assim, determinou “a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciadas”.
p) RE 381.367, Relator Ministro Marco Aurélio; RE 661.256, com repercussão geral, e RE 827.833, ambos de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, em 26 de outubro de 2016: por ausência de previsão legal, a desaposentação foi declarada inconstitucional, vetando-se, pois, a possibilidade de aposentados pedirem a revisão da aposentadoria quando voltarem a trabalhar e a contribuir para a Previdência Social.
q) RE 693.456, de 27 de outubro de 2016: autorização do desconto dos dias paralisados em função do exercício do direito de greve, apresentada, “por definição”, como “uma opção de risco”, conforme foi expresso no voto do Ministro Dias Tofoli.
Além disso, na sessão realizada no dia 14/09/16, restaram alguns indícios do que pode vir pela frente.
Com efeito, na ADI 1625 há a possibilidade de se fixar uma modulação, de modo a conferir validade à denúncia feita pelo governo FHC, em 1996, à Convenção 158 da OIT, mesmo declarando que a denúncia foi inconstitucional – ou seja, pode-se expressar um entendimento que somente valerá da data do julgamento para frente, ou coisa pior.
Lembre-se de que na sessão do dia 14/09/16, cuja pauta era integralmente de questões trabalhistas – não por acaso, obviamente –, o Ministro Roberto Barroso, chamando o Ministro Marco Aurélio de Melo ao diálogo disse: “toda tendência do Direito do Trabalho contemporâneo é no sentido da flexibilização das relações e da coletivização das discussões”. E o Ministro Marco Aurélio completou: “Fato. Mais dia menos dia nós vamos ter que partir para essa reforma”.
Assim, é imperioso que se esteja atento aos processos pendentes de julgamento no Supremo em que outras questões trabalhistas essenciais serão pautadas: dispensas coletivas (ARE 647.561); direito de greve (AI 853.275/RJ); ampliação da terceirização (ARE 713.211).
E isso é importante para que o STF, que é uma instituição que está acima dos seus Ministros, não deixe de cumprir o seu papel de guardião da Constituição Federal e, valendo-se de seu poder, não tente impor uma lógica econômica que desconsidera preceitos e valores constitucionais.
Vide, a propósito, a decisão monocrática do Ministro Dias Tofoli, proferida em 07/10/16 (RCL 24597 MC / SP), na qual, sem meias palavras, foi dito que os trabalhadores que atuam nos serviços de saúde “não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados pelo direito de greve”, contrariando, expressamente, a Constituição Federal e revigorando entendimento vigente no período da ditadura militar, o que serve, ao menos, para que se perceba a identidade dos dois momentos históricos.
O que o Manifesto em referência fez, portanto, foi uma defesa das instituições e da regularidade constitucional, ameaçadas pelas forças econômicas.
Assim, o abaixo-assinado mencionado, dizendo que o Manifesto diz o que não disse, ao contrário do que propõe, acaba dando a entender que o STF não tem qualquer limite para a sua atuação, vulnerando a Constituição e o próprio Supremo, pois possibilita ao poder econômico acreditar que se pode promover uma reforma constitucional sem uma constituinte, bastando apenas exercer pressão sobre o STF.
Além disso, desconsidera o contexto social, político e econômico em que tais decisões do Supremo estão sendo proferidas, desprezando a necessidade de se estabelecer uma resistência, a partir de análises consistentes, sérias e descomprometidas com interesses políticos partidários, ao conteúdo das decisões.
O abaixo-assinado, ainda, fragiliza a magistratura do trabalho como um todo, pois não leva em consideração a própria relevância do saber jurídico produzido no âmbito trabalhista, na atuação doutrinária e jurisprudencial, valendo lembrar que a Justiça do Trabalho e o Direito do Trabalho possuem sua existência garantida pela Constituição.
O conteúdo do Manifesto, desse modo, ao contrário do que acusa o abaixo-assinado, não foi um ataque ao STF, mas uma reação necessária diante da recente atuação revisionista e regressiva da instituição em matéria trabalhista, passando por cima da jurisprudência construída ao longo de anos pelo TST e pelo conjunto da magistratura trabalhista nacional.
A posição assumida pelas entidades no Manifesto em questão foi uma forma importante de desagravar o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho, não deixando de ser também uma forma de preservar o STF contra o ataque midiático e a pressão do poder econômico, resguardando seu papel de guardião da Constituição.
O abaixo-assinado vai além e sentencia: “Causa perplexidade o fato de associações de magistrados, à revelia de seus associados, aliarem-se a grupos estranhos, formados por advogados, docentes, trabalhadores, dentre outros, para patrulhar ideologicamente as decisões do Supremo Tribunal Federal”.
O que, de fato, causa perplexidade é um grupo de magistrados denominar de “grupos estranhos” entidades e profissionais ligados ao Direito do Trabalho, e também os próprios trabalhadores, que, como os magistrados do trabalho, têm plena legitimidade para defender a eficácia dos direitos trabalhistas e a necessária regularidade constitucional.
O que o abaixo-assinado chama de “patrulha ideológica” não é outra coisa senão o exercício regular do direito constitucional de manifestação, que inclui, por certo, a realização de críticas às decisões judiciais. No momento político em que as bases constitucionais foram afrontadas e estão sob o risco de graves e sérios abalos, a manifestação de juízes, chamando uma crítica de patrulhamento ideológico, acaba, mesmo sem querer, reforçando e incentivando a prática do macartismo, que alimenta e legitima a lógica autoritária, contra a qual todo cidadão tem o dever e o direito de lutar.
Não se pode olvidar que uma das principais garantias democráticas é a de que a decisões dos juízes, da primeira à última instância, possam ser publicamente analisadas e criticadas. Se neste momento em que o STF assume, explicitamente, que vai promover uma reforma trabalhista, alterando as bases teóricas do Direito do Trabalho e, portanto, reescrevendo a Constituição, se diz que estão interditadas as críticas à instituição, o resultado acaba sendo conferir ao STF um poder absoluto do qual a classe trabalhadora fica completamente refém e que pode atingir, na sequência, todos os cidadãos.
Interessante que o abaixo-assinado, primeiro, retira de contexto uma parte do Manifesto, para sugerir que este disse algo que não disse, pois, como já explicado, não foi referido, em momento algum, que o STF não tem “legitimidade jurídica” ou “autoridade jurídica” e sim que não possui tais atributos para uma atuação específica que contraria os objetivos constitucionais próprios de sua existência; e, segundo, adiciona ao Manifesto noções que não foram sequer aventadas, como a de que decisões judiciais possam não ser respeitadas.
É bastante estranho, de todo modo, que esses magistrados, que tomam uma crítica como um ataque ou um patrulhamento ideológico, nunca tenham se posicionado da mesma forma contra o que, se acatada fosse a lógica de seu raciocínio, poderia ser denominado de “patrulhamento ideológico” sobre o STF e o TST praticado pela grande mídia e pelo poder econômico.
Essa reação dos abaixo-assinados somente agora, vista dentro da mesma lógica, poderia ser tomada como uma adesão ideológica aos posicionamentos favoráveis à retirada de direitos dos trabalhadores como forma de alavancar a economia, mesmo que assim se proceda sem efetivo respaldo constitucional. Essa ilação, ademais, estaria reforçada pelo argumento utilizado no abaixo-assinado de que os trabalhadores compõem um “grupo estranho”, com relação ao qual a magistratura não deve manter diálogo.
Por fim, os abaixo-assinados, cerca de 100, segundo informações da Folha de S. Paulo, se arvoram como porta-vozes da “grande maioria dos magistrados brasileiros”, não necessariamente magistrados do trabalho, cuja quantidade é, ainda, uma incógnita. Neste aspecto, entretanto, bem se poderia dizer que não possuem nem “legitimidade” nem “autoridade” para tanto.
A afirmação de que o Manifesto que criticam foi organizado pelo GPTC é, infelizmente, leviana e irresponsável – e isso se pode dizer, concretamente. O GPTC não elaborou Manifesto algum ou mesmo encabeçou o Ato do qual o Manifesto teve origem.
Cumpriu ao GPTC – com muita honra, aliás – apenas acolher proposta de algumas entidades, dentre as quais a própria Anamatra, de que o Ato se realizasse, por pertinência temática, ao final do seu Seminário anual, que levou o título: Quem é quem no Direito do Trabalho[ix].
Além disso, bem ao contrário do que sugere o abaixo-assinado, o GPTC sempre se pautou “pelo respeito às Instituições, pelo aprimoramento do Poder Judiciário e pelo cumprimento das decisões judiciais”, embora, enquanto grupo de pesquisa acadêmica, cumpra o papel de elaborar senso crítico da atuação jurisdicional e da elaboração doutrinária.
E, insista-se: a frase do Manifesto em que não se reconhece legitimidade jurídica e autoridade política para retirar direitos dos trabalhadores não é uma afirmação fortuita, estando, inclusive, juridicamente fundamentada quando esclarece que uma atuação dessa natureza representa “um desrespeito ao Direito do Trabalho, sua história, sua doutrina, suas premissas e sua função”.
Lembre-se que a mesma frase foi utilizada no Manifesto para se referir ao Congresso Nacional, pois os princípios jurídicos trabalhistas impedem a atuação do legislador no sentido do retrocesso, como, aliás, está expresso na Constituição Federal. E se esses princípios limitam a atuação do Congresso quanto mais o fazem com relação STF, que é o guardião da Constituição.
Por fim, a esse grupo de magistrados, que veio a público trazer uma versão distorcida do Manifesto, caberia dizer que se sua lógica valesse, ou seja, que se fosse válido fazer interpretações extensivas de uma fala para colocar palavras na boca do interlocutor, então seria justo concluir que esses juízes – alguns, juízes do trabalho – consideram que o STF possui legitimidade jurídica e autoridade política para promover uma reforma trabalhista em detrimento dos trabalhadores, podendo-se mesmo concluir que pretendem expressar isso ao STF para, talvez, atrair a simpatia dos Ministros do STF e com isso fazer com que suas causas corporativas, que um dia chegarão ao Supremo, não sejam contrariadas. Utilizando-se a lógica do abaixo-assinado, estaria autorizada a conclusão de que o que pretendem, portanto, é que o STF não lhes retire, por exemplo, o auxílio-moradia.
Ou seja, se alguém acatasse a lógica argumentativa adotada no abaixo-assinado poderia afirmar que aqueles que firmaram o documento, reconhecendo as dificuldades do momento político, estão dispostos a apoiar a atuação do STF de destruir direitos dos trabalhadores como forma de preservar seus ganhos. Sua preocupação não seria, portanto, com o respeito às instituições, mas sim uma preocupação corporativa, com a grave conseqüência de se entregarem os direitos dos trabalhadores como moeda de troca.
Não acreditamos nisso. Consideramos que se trata de um grande mal entendido e que, conhecendo, como conhecemos há vários anos, a magistratura trabalhista, somos forçados a acreditar que a enorme maioria dos juízes do trabalho que firmou o abaixo-assinado o fez sem a devida reflexão e sem o necessário conhecimento dos fatos, tendo sido alguns deles, talvez, levados pelo embate da eleição para a diretoria da Anamatra que se aproxima.
É urgente, de todo modo, que reflitam sobre isso, para que as consequências não sejam contrárias às pretendidas ou que alcancem patamar muito além do que se poderia imaginar.
Já o Comunicado publicado pelo Presidente da Anamatra, em vez de esclarecer as coisas, apenas as tornou mais problemáticas, e sem uma razão suficiente para tanto.
Tudo se deu porque o Presidente da Anamatra, aparentemente com uma preocupação de natureza eleitoral, em vez de enfrentar as críticas formuladas no abaixo-assinado e se expor ao debate, quis anular o efeito deste, sendo que a fórmula utilizada para tanto foi a de tentar eliminar a própria base da existência da crítica. Recusou, então, participação na organização do Ato e na elaboração do Manifesto, expressando, ainda, discordância quanto ao conteúdo do Manifesto, precisamente naquilo em que o abaixo-assinado mais destacou, qual seja, o suposto ataque ao STF.
Ao fazê-lo, no entanto, o Presidente da Anamatra, “data venia”, incorreu em três graves equívocos.
Primeiro, se descolou da organização do Ato, como se fosse um evento completamente alheio à Anamatra, jogando toda responsabilidade sobre os ombros do GPTC.
Quanto a isso é importante esclarecer que o Ato ocorreu ao final do Seminário do GPTC. Foram, em verdade, dois eventos distintos, que se unificaram por pertinência temática.
O GPTC, como se sabe, é um grupo de estudo e de pesquisa e sequer possui legitimidade para falar em nome de alguma categoria profissional, embora, por certo, possa manifestar sua posição institucional de apoio a qualquer ato ou manifesto que considere inserido em sua temática e em conformidade com os seus valores.
De fato, o GPTC apenas acolheu proposta de algumas das entidades que, efetivamente, possuem essa legitimidade e, concretamente, propuseram o Ato. As deliberações internas do GPTC foram todas neste sentido e constam em ata, inclusive.
O Ato, ademais, não foi um “ato público pela valorização do Direito e da Justiça do Trabalho”, como, inadvertidamente, constou do Comunicado do Presidente da Anamatra.
Foi, desde o início do processo de sua elaboração, um Ato de "desagravo ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho frente às decisões do STF em matéria trabalhista e a ameaça de retrocesso", conforme consta do Programa, aliás.
Ao contrário do que afirmou o Presidente da Anamatra, portanto, a entidade não foi "convidada" pelo GPTC para participar do Ato de Desagravo. Representantes da Anamatra estiveram, desde o início, presentes na sua elaboração, cujo propósito sempre foi o de recusar que o STF pudesse promover uma reforma trabalhista prejudicial aos trabalhadores.
Os termos da Programação não deixam dúvida quanto a isso, valendo verificar que, primeiro, há o encerramento do Seminário e, depois, vem a realização do Ato, com a “participação” das entidades:
"22h15: Encerramento: Jorge Luiz Souto Maior
Ato de desagravo aos direitos dos trabalhadores e à Justiça do Trabalho frente às decisões do STF em matéria trabalhista e às ameaças de retrocessos
Participação: GPTC – RENAPEDTS – ANAMATRA – ANPT – ALJT – AJD – SINAIT – ABRAT – ALAL – ADUSP – SINTUSTP – CENTRAIS SINDICAIS e SINDICATOS"[x]
A proposta de Manifesto, lida ao final do evento, que, de fato, não foi debatida previamente com os representantes das entidades presentes, não trouxe nenhum acréscimo ao que diversas vezes foi tratado entre os representantes das entidades jurídicas que projetaram o Ato de Desagravo, não tendo significado, portanto, qualquer tipo de surpresa. De mais a mais, a proposta, na presença dos representantes das entidades, foi lida, debatida, alterada naquilo em que não houve consenso, e aprovada, sendo que algumas entidades, como a RENAPEDTS, somente confirmaram a assinatura dias depois, após submeterem o texto aos seus integrantes.
Depois do envio da confirmação de assinatura da RENAPEDTS e sem objeção das demais entidades, o texto do Manifesto, cinco dias após o Ato, foi publicado.
Assim, não cabe, em hipótese alguma, a alegação de que a representante da Anamatra, presente ao Ato, se viu surpresa com o teor do Manifesto e que o Presidente da Anamatra não sabia do que se tratava o Ato, para o qual esta instituição teria sido apenas “convidada”...
O que está dito no Manifesto, ademais, é precisamente aquilo que estava integrado ao propósito do Ato, conforme foi debatido, por semanas, entre os efetivos idealizadores deste, o qual, repita-se, foi um ATO DE DESAGRAVO e não um “ato público pela valorização do Direito e da Justiça do Trabalho”, como, de forma também distorcida, consta do Comunicado do Presidente da Anamatra.
O texto do Manifesto foi apenas uma proposta, apresentada como forma de facilitar a conclusão do Ato – dado o adiantado da hora – e o seu conteúdo não trouxe nenhum elemento novo se considerarmos todas as manifestações que já se vinham sendo expressas antes e durante o Seminário a respeito da atuação do STF em matéria trabalhista.
O abaixo-assinado dos magistrados, sem conhecer os fatos, acusa o GPTC de ter organizado o Ato e realizado o Manifesto e o Presidente da Anamatra, em seu Comunicado, mesmo conhecendo os fatos, não rebate a afirmação infundada do abaixo-assinado e ainda deixa no ar a impressão de que a entidade foi “ludibriada” pelos “organizadores” quanto ao teor do Manifesto.
Não se está dizendo que o GPTC seja contra o Ato de Desagravo e contra o Manifesto. De fato, a entidade, ao que tudo indica, se orgulha de ter acolhido o Ato, tendo já, em resposta ao Comunicado do Presidente da Anamatra, reafirmado, expressamente, sua posição em apoio ao Ato e ao Manifesto[xi]. Apenas, por dever com a verdade, não atrai para si um mérito ou mesmo um poder que não possui.
Em segundo lugar, o Presidente da Anamatra, sem reflexão quanto ao que o representante da associação presente ao Ato firmou e que, posteriormente, reafirmou, simplesmente acolheu a interpretação distorcida e ampliativa que fora dada ao Manifesto pelo abaixo-assinado.
Tenta-se argumentar, em defesa do Comunicado do Presidente da Anamatra, que o problema não é quanto ao conteúdo do Manifesto, mas quanto ao procedimento que teria levado a Anamatra a ser surpreendida com o teor do Manifesto lido no Ato, o que teria impedido, inclusive, de submeter o Manifesto ao Presidente da entidade e aos demais membros da diretoria, como determina o Estatuto da entidade.
Isso não corresponde aos fatos.
O Manifesto foi publicado somente cinco dias após o Ato exatamente para que as entidades apresentassem eventuais objeções ou mesmo recusa de assinatura.
E vale insistir: todo esse imbróglio (que é muito pequeno, se pensarmos bem) só tem sentido por conta de uma discordância com relação ao conteúdo, pois, do contrário, a forma não seria levada em consideração.
No entanto, o conteúdo do qual o Presidente da Anamatra diz discordar, para efeito, inclusive, de recusar a assinatura da entidade, não é, de fato, o conteúdo do Manifesto.
Utiliza-se a forma para rejeitar um “suposto” conteúdo e se faz isso para dar satisfação a quem, com má vontade, conferiu uma interpretação distorcida ao Manifesto, como já explicado acima.
Por fim, possivelmente na linha de manter boas relações com o STF para propósitos corporativos, o Comunicado do Presidente da Anamatra vai além e acusa o Manifesto de ter dito coisas que efetivamente não disse.
Com efeito, em seu esclarecimento, o Presidente da associação refere que: “A Anamatra não compartilha do entendimento de que o STF não tenha ‘autoridade’, jurídica ou política, para decidir qualquer matéria constitucional”.
Ora, em momento algum o Manifesto afirma a inexistência de “autoridade para decidir qualquer matéria constitucional”. Ao afirmar isso, o Comunicado do Presidente da Anamatra atribui ao Manifesto conteúdo que, repetimos, ele não possui. E o que é pior: coloca os membros do GPTC e as entidades signatárias do Manifesto em posição de réus, acusando-lhes indevidamente de questionar a autoridade do STF, o que de fato não ocorreu.
Mas não satisfeito, o Presidente da Anamatra, querendo parecer ponderado e razoável, para se mostrar de uma vez por todas totalmente descolado do conteúdo do Manifesto, conclui com afirmações que, se interpretadas da forma como se quis interpretar o Manifesto, podem gerar efeitos extremamente graves do ponto de vista da preservação da ordem Constitucional e democrática, assim como da própria preservação da Justiça do Trabalho e dos direitos dos trabalhadores.
Diz o Comunicado:
"O que temos manifestado publicamente é justamente a crença de que o STF aplicará a Constituição da forma mais adequada possível, rejeitando a possibilidade de flexibilização indevida do Direito do Trabalho, contrária ao espírito da própria Constituição cidadã."
Ora, se fosse válido utilizar o mesmo expediente de interpretar, com má vontade, o que está dito, colocando palavras na boca do interlocutor, alguém poderia expressar a crítica ao Comunicado do Presidente da Anamatra no sentido de que, ao contrário do sugerido pelo Comunicado, não cabe ao STF aplicar a Constituição “da forma mais adequada possível” e sim aplicar a Constituição como deve ser aplicada, pois não há uma margem de adequação dos preceitos constitucionais, até porque é dessa margem de “flexibilidade” institucional que emergem regimes e atos autoritários.
Além disso, se poderia dizer que ao sugerir que existe uma “flexibilização indevida” da legislação do trabalho se teria afirmado existir alguma flexibilização que seria devida e como não se tem padrão para diferenciar uma da outra, ao menos no Comunicado, o Presidente da Anamatra teria defendido que qualquer flexibilização trabalhista pode ser realizada e considerada válida até que se demonstrasse sua eventual irregularidade; e o fato disso ter sido expressado pelo Presidente da Anamatra serviria a um autêntico delírio do setor econômico.
Enfim, a exemplo do que se passou com o abaixo-assinado acima referido, o Comunicado do Presidente da Anamatra, mesmo sem ter pretendido fazê-lo, por ter se deixado envolver por discussão totalmente desprovida de fundamento, fragiliza as instituições democráticas, desprestigia a Justiça do Trabalho, enfraquece o Direito do Trabalho e ainda abre portas para a lógica autoritária, e tudo sem qualquer garantia de que se terá, com isso, algum benefício corporativo para os magistrados trabalhistas. Aliás, o que se sabe, historicamente, é que o setor econômico, a quem se tenta agradar com discursos aparentemente “adequados”, “ponderados” ou “razoáveis”, jamais abandonará o seu objetivo de tentar destruir o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho.
É bastante importante, pois, que os embates eleitorais não obscureçam as mentes, não sirvam para estimular enfrentamentos meramente lingüísticos, desprovidos de conteúdo concreto, favorecendo ao advento de uma situação na qual as posições assumidas acabam militando contra os interesses maiores da ordem constitucional, da eficácia dos direitos trabalhistas e da preservação da Justiça do Trabalho.
O momento, como revelam as últimas notícias do ano, é muito grave e requer uma atuação de resistência consistente contra o desmonte da ordem constitucional e o abalo das instituições.
Esse triste episódio deve servir para que reflitamos: que Direito do Trabalho; que Justiça do Trabalho; que juízes e juízas do trabalho; que Associação; que sociedade; que seres humanos queremos?
Até quando iremos capitular em nome de interesses pessoais?
Até quando iremos permitir que nos dividam desse modo, prejudicando a luta comum com a qual parecíamos estar comprometidos?
Nós continuaremos na luta para que as conveniências do momento e as limitações de interesses específicos não sejam as determinantes de nossos pensamentos e de nossas atitudes.
Continuaremos afirmando que nenhuma Corte, seja ela de primeira ou de última instância, tem legitimidade para desconstruir os parâmetros mínimos de civilidade que estão assentados na Constituição como direitos fundamentais. Reafirmamos que o STF, cuja “autoridade para se manifestar sobre questões constitucionais” obviamente reconhecemos, é o guardião da Constituição e não deve se comportar como seu algoz.
São Paulo, 03 de janeiro de 2017.
(*) Os autores são juízes do trabalho, associados da Anamatra.
[i]. Disponível em: http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2016/12/26/juizes-contestam-manifesto-de-juizes/
[ii], http://oglobo.globo.com/rio/luiz-fux-suspende-corte-de-ponto-de-professores-grevistas-do-rio-10378297; http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/09/stf-mantem-decisao-que-impede-corte-de-ponto-de-professores-no-rio.html
[iii]. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1542317-o-stf-nao-pode-se-converter-em-uma-corte-bolivariana.shtml
[iv]. http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/stf-impoe-limites-as-decisoes-do-tst-sobre-temas-relevantes-de-natureza-trabalhista/
[v]. 30/08/16: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-tst-e-as-demissoes,10000072802
[vi]. “Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei.”
[vii]. “Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;”
[viii]. VIANA, Márcio Túlio. Trabalho escravo e “lista suja”: um modo original de se remover uma mancha. Revista LTr: São Paulo, n. 8, ago. 2007.
[ix] https://grupodepesquisatrabalhoecapital.wordpress.com/
[x]. Disponível em: https://grupodepesquisatrabalhoecapital.wordpress.com/2016/11/22/seminario-quem-e-quem-no-direito-do-trabalho/
[xi]. “GPTC – Esclarecimentos sobre o Manifesto contra retrocessos nos direitos dos trabalhadores”. Disponível em: https://grupodepesquisatrabalhoecapital.wordpress.com/2017/01/02/gptc-esclarecimentos-sobre-o-manifesto-contra-retrocessos-nos-direitos-dos-trabalhadores/