O Ministro do Trabalho disse, com outras palavras, que é necessário criar mecanismos legais para que os empregadores possam ampliar a jornada de trabalho de seus empregados com segurança jurídica.
Vejamos, de forma bastante resumida, alguns problemas e consequências da sugestão:
- Concentração da renda: uma maior jornada de trabalho aumenta a concentração da renda e reduz, proporcionalmente, a participação dos trabalhadores no Produto Interno Bruto, isso porque a tendência natural é que o valor do salário não acompanhe o aumento da jornada, e o problema fica ainda mais grave quando se tenta compensar a desproporção do salário com horas extras. Os trabalhadores, com isso, tendem a perder a perspectiva da luta pelo salário digno dentro do limite, historicamente conquistado, da jornada de 08 horas, que foi, vale lembrar, o que possibilitou a consolidação e o desenvolvimento do capitalismo.
- Redução de consumo: o aumento da jornada de trabalho, ainda mais integrado da prática de horas extras (que é um costume nacional), equivale a menor tempo livre para os trabalhadores. O efeito disso é que a classe trabalhadora, trabalhando mais e ganhando menos, não tem nem dinheiro nem tempo para consumir ou para se integrar a outras atividades que, igualmente, estimulam a economia, como a educação, o turismo e o lazer, causando danos financeiros e desemprego nestes setores, isso sem falar no acréscimo de doenças no trabalho e os consequentes prejuízos para o equilíbrio da Previdência Social.
- Aumento de conflitos: é prática no Brasil esticar as possibilidades legais de exploração do trabalho. Então, pode-se antever, com advento de uma medida jurídica como esta, a majoração de conflitos trabalhistas, até porque muitos empregadores – a maioria – não abrirão mão das horas extras, e estes mesmos empregadores, em geral, têm como costume não pagar as horas extras e ainda manter-se assim, sem pagar, por meio de táticas processuais.
- Segurança jurídica: para se alcançar a tão almejada segurança jurídica basta respeitar a norma constitucional que é bastante clara: 8 horas diárias e 44 horas semanais, com horas suplementares apenas extraordinariamente. Diante dos termos constitucionais e do que consta nas Declarações Internacionais de proteção aos Direitos Humanos não pode haver segurança jurídica para quem exija de seu empregado uma jornada de 12 horas, mesmo que isso se estabeleça pela via da negociação coletiva. É bem verdade que o TST acolheu a demanda empresarial para declarar válido o regime de 12x36, mas o entendimento jurisprudencial do TST não tem força para destruir a Constituição e, sendo assim, muitos juízes, por respeito à Constituição, negaram valor aos acordos coletivos que traziam esse permissivo e continuarão agindo da mesma forma, mesmo que uma lei venha a dizer o contrário, porque a lei não suplanta a Constituição.
- Reforma necessária: lembrando da falência estrutural a que se conduziu, por política de Estado, o Ministério do Trabalho no setor de fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista, se a preocupação for, de fato, segurança jurídica, a medida imediata necessária – com atraso de décadas – é a de aumentar, e muito, o número de auditores fiscais do trabalho, para que se possa, enfim, conferir segurança jurídica aos trabalhadores, no sentido de terem a certeza de que seus direitos não serão mais aberta, deliberada e impunemente desrespeitados por seus empregadores.
- O argumento falacioso da crise: o argumento da crise serve para colocar uma corda no pescoço dos trabalhadores, fazendo com que as direções sindicais se vejam forçadas a aceitar, pela via negocial, reduções de direitos (e aumento de jornada é uma redução de direitos, como visto).
- Divisão da classe trabalhadora: a reforma tem como estratégia essencial dividir a classe trabalhadora, ainda mais quando adicionada pela terceirização. Ao se colocar na organização coletiva dos trabalhadores a responsabilidade de salvar a economia por meio de acordos que corroborem redução de direitos, perde-se o próprio sentido da ação sindical, que é a união de forças para conquistar melhores condições de trabalho. Se essa atuação é assumida pelo ente representativo, os trabalhadores tendem a se desvincular da ação coletiva, promovendo-se, então, um autêntico conflito entre os próprios trabalhadores.
- Uma palavra sobre o contrato por hora: não há obstáculo na Constituição para esse tipo de contratação, desde que se pague ao trabalhador o valor do salário mínimo, porque esse é o mínimo, e, obviamente, o que é mínimo é mínimo. De todo modo, é bastante amadora a formulação, pois não se imagina que uma empresa séria vá contratar quatro empregados para trabalhar duas horas por dia em vez de um para trabalhar oito horas, a não ser, é claro, que se vislumbre o permissivo para dividir ainda mais a classe trabalhadora, estimulando o individualismo e a concorrência entre os trabalhadores.
- O propósito real: o que se quer, concretamente, é impor um ideário neoliberal nas relações de trabalho que destrói o conceito de classe trabalhadora, fazendo com que os trabalhadores reproduzam, como se fossem seus, os postulados do capital, favorecendo a uma maior exploração da força de trabalho – sem que seja percebida e que se estabeleça, portanto, sem contraposição.
- Conseqüências: economicamente, o efeito é uma maior concentração da renda produzida, o que é benéfico, sobretudo, para o capital estrangeiro, que se insere no país muitas vezes apenas por meio de fundos de participação em atividades industriais alheias, e não para a formulação e o desenvolvimento de algum projeto de nação. Socialmente, o efeito é o de uma maior desagregação, com repercussão, também, no aumento da violência urbana.
Fica no ar, então, a pergunta: trata-se de amadorismo ou má intenção?