1. A REGULAMENTAÇÃO do trabalho dos mal denominados “motoristas de aplicativos” não diz respeito, unicamente, a esse tipo de trabalho, vez que o regramento adotado e os pressupostos admitidos, juridicamente avaliados, poderão servir de parâmetro para todo o tipo de venda da força de trabalho;
2. NÃO HÁ DIFERENÇA essencial, dos pontos de vista relacional, social e econômico, entre o “trabalho por aplicativos” e qualquer outro tipo de trabalho alienado, ou seja, o trabalho prestado por conta alheia, destinado à satisfação dos propósitos e interesses de quem compra a força de trabalho;
3. A PECULIARIDADE de o trabalho por aplicativos, como o próprio nome sugere, ser um trabalho que se realiza com a utilização de um aplicativo em nada o difere da prestação de serviço em que essa ferramenta não é utilizada e o controle da atividade é feito de forma direta por um gerente ou preposto. O aplicativo é, meramente, a ferramenta da empresa para efetuar o controle, a organização e a distribuição dos trabalhadores que se submetem a realizar os serviços que elas oferecem no mercado consumidor;
4. A EXPLÍCITA NEGAÇÃO DO VÍNCULO DE EMPREGO para o trabalho dos “motoristas de aplicativo”, conforme preconiza o PL 12/2024, parte de uma ficção, típica do mundo virtual, já que, na realidade, o motorista não vende a sua força de trabalho diretamente ao consumidor. Submete-se às regras, sanções e o consequente controle impostos pela empresa, não se tratando, pois, nem na ótica jurídica, nem na sociológica, de um trabalhador autônomo;
5. A FICÇÃO CRIADA tende a se estender para outras categorias de trabalhadores e trabalhadoras, ainda mais se utilizado o artifício da contratação e controle da atividade por intermédio de um aplicativo;
6. OS DIREITOS TRABALHISTAS foram conquistas históricas da classe trabalhadora e servem ao propósito de limitar a força do poder econômico, conferir melhores condições de trabalho e promover a melhoria da condição social dos trabalhadores e trabalhadoras;
7. OS EMPREGADORES, no momento de reconstrução do capitalismo, em que a assimilação desses direitos era inevitável, procuraram tirar proveito da situação e conseguiram introduzir regras que vinculavam os direitos ao trabalho prestado sob determinadas condições, mantendo, pois, inabalado o poder patronal, além de transformar direitos em formas disfarçadas de cooptação e de opressão;
8. A CLASSE TRABALHADORA, mesmo assim, se manteve vigilante na luta pela preservação e até ampliação de seus direitos;
9. NO BRASIL, esse processo histórico nos conduziu à Constituição Federal de 1988, na qual os direitos trabalhistas foram alçados ao patamar de Direitos Fundamentais, isto é, direitos que não sucumbem diante de quaisquer outros direitos, sobretudo de índole econômica, até porque a própria Constituição consagra o “primado do trabalho” e determina que a “ordem econômica” deve atender os “ditames da justiça social”;
10. NA CONCEPÇÃO NEOLIBERAL desenvolveu-se a estratégia patronal de domínio do discurso, buscando fazer acreditar que os direitos trabalhistas impedem o desenvolvimento econômico e que seriam eles, por consequência, os culpados pelo desemprego e pelo sofrimento da classe trabalhadora;
11. A TRANSFERÊNCIA DO RISCO PARA O(A) TRABALHADOR(A) também faz parte do ideário neoliberal, que cria a enganosa versão de que trabalhadores e trabalhadoras, para auferirem ganhos, devem individualmente ser responsabilizados e arcar com os prejuízos decorrentes de sua atividade profissional, a exemplo de situações em que sofrem acidentes ou adoecimentos relacionados ao trabalho ou têm os seus instrumentos de trabalho, como veículo, celular e afins, danificados;
12. EM NOME DE UMA FALSA AUTONOMIA trabalhadoras e trabalhadores são induzidos a assumir os riscos decorrentes da atividade, ficando para as empresas apenas os lucros e a “glória” da prestação de serviço à comunidade (“Vá de Uber” – diz a propaganda de uma delas) e, por meio da qual, apresenta sua reiterada chantagem da falta que fará se deixar o país, o que, inclusive, nos faz recobrar a relevância de não se abandonar A PAUTA POR EFETIVAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA UM TRANSPORTE PÚBLICO E GRATUITO DE QUALIDADE;
13. A SUPERAÇÃO DO FORDISMO E A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA também são argumentos frequentemente utilizados para fragilizar a legislação do trabalho, falando de sua inadaptabilidade aos novos tempos da sociedade “moderna” e do trabalho digitalizado;
14. A ESTRATÉGIA ATUAL do poder econômico não é mais aquela do antagonismo com a classe trabalhadora. Bem ao contrário, o setor patronal coloca-se na condição de um “parceiro” dos(as) trabalhadores(as) e até os(as) chamam de “colaboradores” (sem flexão de gênero mesmo), ao mesmo tempo em que os transformam em aliados contra os direitos trabalhistas e contra todas as garantias asseguradas pelo projeto de Estado Social;
15. O EMPREENDEDORISMO E O INDIVIDUALISMO MERITÓRIO são estrategicamente disseminados entre a classe trabalhadora de modo, inclusive, a destruir a própria consciência de classe, pois trabalhadoras e trabalhadores que reproduzem a racionalidade do capital e que lutam uns contra os outros são alvos fáceis da superexploração, ainda mais em um país da periferia do capital, onde a ameaça da batida em retirada das empresas estrangeiras fornece uma chantagem adicional;
16. OS ARGUMENTOS EM QUE O PL se sustenta são, portanto, a representação explícita de todo esse processo;
17. NÃO HÁ AVANÇO JURÍDICO NO PL, pois, com a aplicação da melhor técnica jurídica, os “motoristas de aplicativos” que trabalham de forma não ocasional, mesmo sem delimitação de jornada e fixação de dias certos de trabalho, são considerados integrados a uma relação de emprego e, portanto, detentores de TODOS (os que ainda restam, dada as perdas impostas desde a década de 90 e, com maior profundidade, na “reforma” trabalhista) os direitos trabalhistas. Assim, partem de pressuposto jurídico equivocado, os defensores do PL, quando dizem que o PL avançou porque para quem não tinha nada qualquer coisa é progressão;
18. NÃO HÁ GARANTIA DE DIREITOS TRABALHISTAS pelo PL, isto porque vinculação previdenciária não é propriamente um direito trabalhista e, ademais, esses trabalhadores já tinham direito a essa vinculação, mesmo sem a consideração do vínculo de emprego;
19. OS ÚNICOS DIREITOS TRABALHISTAS expressamente referidos são o ganho mínimo e a jornada máxima. Mas o ganho mínimo não é baseado em qualquer parâmetro efetivo e submetido a perdas futuras no processo de negociação que o próprio PL estimula. A limitação da jornada, fixada em até 12 horas, remonta aos primórdios da Revolução Industrial, quando a limitação da jornada de 08 horas ainda não tinha sido conquistada pelos(as) trabalhadores(as);
20. O AUTÔNOMO COM DIREITOS referido no PL não é nem AUTÔNOMO, vez que o próprio PL procura legitimar as formas de controle da atividade pelas empresas e revigora o poder disciplinar, figura típica do regime fascista de relações de trabalho, que já deveria ter sido há muito abolido de nossas relações de trabalho;
21. A INEXISTÊNCIA DE AUTONOMIA é expressamente reconhecida no PL quando trata o(a) trabalhador(a) como integrante de uma categoria profissional, submetida a uma organização sindical e aos efeitos jurídicos do negociado por estas entidades com o setor empresarial;
22. A FALÁCIA DE QUE O PL ATENDE OS INTERESSES DOS(AS) TRABALHADORES(AS) ainda mais se evidencia quando se verifica que o resultado final foi exatamente aquele que, na “mesa de negociação”, foi proposto pelas empresas;
23. POR FIM, COMO O PL NEGA A RELEVÂNCIA SOCIAL, HUMANA E ECONÔMICA dos direitos trabalhistas, assim como o protagonismo histórico da classe trabalhadora na constituição e preservação desses direitos, a ACEITAÇÃO E A DEFESA DO PL vindas de representantes do setor operário, com o apoio de um governo do partido oriundo deste mesmo setor, representa o triunfo definitivo do poder econômico, em seu projeto de exploração sem limites do trabalho, fincado em raízes colonizadoras, racistas e estruturalmente machistas;
IMPÕE-SE, POIS, POR ESSAS RAZÕES, IMPEDIR A APROVAÇÃO DO PL, como forma, inclusive, de possibilitar a retomada das pautas propositivas de interesse efetivo da classe trabalhadora: revogação da “reforma” trabalhista; revogação da “reforma” da Previdência; revogação do teto de gastos; eliminação da terceirização; e efetivação dos direitos constitucionais da garantia de emprego, da greve e da livre sindicalização.
Brasil, 1º de abril de 2024 (60 anos do golpe civil-empresarial-militar perpetrado, sobretudo, contra a classe trabalhadora)