1. A redução, anunciada com antecedência de 9 dias, de 40% do valor a ser percebido a título de 13o salário e adicional de férias, bem como a possibilidade legal de verbas salariais serem contingenciadas nos próximos meses, causou indignação e decepção.
A informação agrava o complexo quadro de crescente insegurança experimentado atualmente pelos servidores lotados no exterior, que já sofrem com os atrasos constantes da parcela para aluguel dos imóveis residenciais no exterior, a RF.
No caso de Miami, que não é isolado em relação a outros Postos, o valor do aluguel pode ser superior a 80% do salário do servidor. A questão, portanto, é simples: a conta não fecha; não há orçamento familiar que resista; não há planejamento possível.
3. O quadro atual tem impacto direto nas atividades funcionais e na vida pessoal do servidor. A relevância da missão institucional e a reconhecida qualidade da atuação do Consulado-Geral em Miami contrastam com a incerteza e insegurança financeira ora enfrentadas pelos servidores aqui lotados - e o mesmo raciocínio vale para a rede de postos brasileiros no exterior.
O Consulado-Geral em Miami lida com uma crescente e exigente comunidade brasileira. A população estimada de brasileiros na jurisdição é superior a 300 mil pessoas (além de cerca de 1,5 milhão de turistas/ano). O Posto recebe em suas instalações entre 200 e 300 pessoas por dia e é a Repartição que mais emite passaportes para brasileiros no exterior. Embora competente e dedicado, o quadro de contratados locais é insuficiente para atender a demanda, o que sobrecarrega ainda mais os servidores do Quadro Permanente do Serviço Exterior Brasileiro.
É forçoso reconhecer que é impossível manter a produtividade diante de tamanha insegurança.
4. Os servidores lotados no Consulado-Geral têm consciência de sua missão institucional, do papel a ser cumprido junto à população expatriada, bem como da importância do serviço de qualidade tanto para imagem do Itamaraty junto à sociedade brasileira quanto para a do Brasil no exterior. Por isso, o quadro atual de desamparo é tão decepcionante: a "linha de frente" não conta com a necessária retaguarda institucional.
5. E, por sua gravidade, os constrangimentos financeiros ora impostos (impostos, pois não decorrem de planejamento familiar inadequado ou irresponsável) transbordam para a vida pessoal dos servidores. Não se objetiva neste documento expor situações particulares, mas é preciso, no mínimo, constatar que, diante das incertezas de toda ordem, os familiares, que naturalmente já são os que mais sofrem com as especificidades das carreiras do serviço exterior, são os principais penalizados pela precariedade atual. São os cônjuges que muitas vezes abrem mão de suas carreiras ao mudar-se para o exterior, e os filhos, submetidos constantemente a mudanças de escola e a diferentes línguas e culturas, que sofrem com as restrições no orçamento familiar. Qual a razão para remover servidores da segurança de seu país de origem e do convívio e apoio de suas famílias para que experimentem tanta insegurança no exterior? E quais as alternativas? Voltar para o Brasil? Arcar sozinho com multas contratuais rescisórias? De onde retirar os recursos para isso, se já não os há sequer para cobrir as despesas corriqueiras? E os filhos? E os cônjuges?
6. É necessário esclarecer publicamente a situação real enfrentada pelos servidores lotados fora do Brasil e desmistificar os falsos privilégios. O salário no exterior é, obviamente, em moeda estrangeira. O que é igualmente óbvio, apesar de muitas vezes não parecer (e é fundamental que o Ministério seja o primeiro a afirmar isso), é que os custos também são em moeda estrangeira. O supermercado, a escola, o médico, a farmácia e o transporte também são em moeda estrangeira. No contexto atual, ressalte-se, os empréstimos bancários contraídos por vários colegas do Consulado-Geral para suportar os atrasos da RF também são em moeda estrangeira, assim como os juros correspondentes. A variação cambial, portanto, não pode ser o aspecto central da análise da remuneração no exterior (apesar de ser componente agravante do endividamento pessoal dos servidores no exterior).
7. Não há problemas, frise-se, em discutir, escrutinar e mesmo realizar ajustes na remuneração no exterior e na RF, por exemplo. Tais medidas, contudo, devem ser transparentes e planejadas, não podendo gerar insegurança aos servidores e seus familiares, como tem ocorrido. Além disso, como pressuposto, devem considerar também a especificidade do Serviço Exterior Brasileiro em relação às demais carreiras públicas do Brasil. A reflexão - e os ajustes -, portanto, precisam, já há muito tempo, abarcar também outras questões, como o auxílio-educação no exterior. É preciso enfrentar as questões, mas com dignidade, sem temor. O serviço exterior é ou não é necessário para o Brasil? Se é, precisa dos meios básicos para cumprir sua missão institucional.
8. O Itamaraty busca tornar as carreiras do Serviço Exterior Brasileiro acessíveis a todas as classes sociais. Alcançar esse objetivo depende do pagamento correto e adequado que permita o custeio das despesas familiares de cada servidor. O atual quadro, porém, indica grave retrocesso, que pode resultar em nova "elitização" do Itamaraty, pois somente pessoas com posses conseguiriam sustentar uma família no exterior. Não é isso que a sociedade brasileira deseja. O país necessita de um Serviço Exterior profissional, democrático e aberto a todas as classes sociais.
9. Não é mais possível conviver com a insegurança como regra. Tanto quanto as questões financeiras aqui apresentadas, não é mais razoável tamanha incerteza nos processos de remoção, como hoje ocorre. Não se pode submeter a vida do servidor e sobretudo a de seus familiares, em especial daqueles em idade escolar, à tal precariedade. É preciso ter clareza para reconhecer ser legítimo exigir respostas para perguntas básicas: estando removido já há meses, devo ou não renovar meu contrato de aluguel? Por quanto tempo? Em que escola (de qual país!) devo matricular meu filho? Não se trata de privilégios; apenas de previsibilidade, do mínimo de previsibilidade. As questões expostas são reais, experimentadas atualmente por diversos servidores lotados no Consulado-Geral em Miami.
10. Não podemos nem queremos, não apenas como servidores públicos, mas como servidores públicos do Ministério das Relações Exteriores, do Itamaraty, continuar a ter que discutir a nossa subsistência pessoal, que, não por acaso, relaciona-se com a existência institucional do Ministério. É humilhante. É ultrajante. É degradante. Somos mais do que isso. Merecemos ser mais do que isso. Merecemos respeito. A sociedade brasileira e o Brasil merecem que sejamos mais do que isso. Merecem que sejamos respeitados. Respeito agora significa que seja dada solução estrutural para o problema, e que a situação emergencial atualmente observada se resolva com a urgência que merece.
Alexandre Scudiere Fontenelle, Diplomata
André Ribeiro dos Santos Bastos, Assistente de Chancelaria
Carolina Figueiredo Delamonica Freire, Oficial de Chancelaria
Daniel Spindola Cutrim, Oficial de Chancelaria
Eduardo da Rocha Modesto Galvão, Diplomata
Elisangela Cristina dos Santos Bastos, Assistente de Chancelaria
Elizabeth Maria de Mattos, Bibliotecária
Eugenia Maria Gaze de França, Oficial de Chancelaria
Fernando Neri da Costa, Assistente de Chancelaria
Ivo José da Silva, Assistente de Chancelaria
Jerusa Medeiros Silva Coutinho, Assistente de Chancelaria
José Márcio Batista, Agente de Cinematografia e Microfilmagem
Jucielmo Abreu Pereira, Assistente de Chancelaria
Juliana Costa de Faria, Oficial de Chancelaria
Keyla de Almeida Gomes, Oficial de Chancelaria
Leonardo Bittar de Faria, Oficial de Chancelaria
Lucas Chalella das Neves, Diplomata
Luiz Guilherme Costa Koury, Diplomata
Patricio Porto Filho, Oficial de Chancelaria
Rafael Peixoto de Souza, Oficial de Chancelaria
Rafael Resende Receputi, Oficial de Chancelaria
Tania Maria de Melo Assis Fonseca, Oficial de Chancelaria
Valnice de Almeida Batista, Agente de Serviços Complementares.