Ao sustentar que nenhum artigo do novo CPC se aplica ao processo do trabalho, mesmo com todos os argumentos já apresentados em outro texto[1], deparei-me com a acusação de ser radical, decorrendo dessa adjetivação uma dificuldade para auferir adeptos. Mas cumpre esclarecer. Primeiro, não está dentre as minhas preocupações na exposição da referida posição as de atingir fins comerciais, de obter notoriedade ou de conquistar as massas para criar seitas ou coisas que o valham. Segundo, não temo a suposta pecha de radical, afinal a radicalidade é essencial para que ao menos se tente ir à raiz dos problemas. Radical não é o oposto de ponderado ou de razoável e sim de superficial. E, terceiro, adotando critérios de raciocínio lógico, se o ponderado ou razoável fosse identificado em conformidade com a fixação de um ponto ideal, necessário seria definir a partir de que patamar alguém deixa de ser um radical e começa a ser um ponderado.
No entanto, até onde estou conseguindo ver, lendo os artigos escritos a respeito do assunto, os autores, todos eles, impõem restrições à aplicação do novo CPC, em diversos assuntos, mas não guardam uma identidade plena quanto a quantos e quais artigos do novo CPC se aplicam ao processo do trabalho. O ponto ideal da ponderação, portanto, não existe, objetivamente falando.
Além disso, alguém “mais autorizado” poderia dizer que ponderado é aplicar o novo CPC por inteiro, pois, afinal, trata-se de um instrumento moderno, que foi estudado por grandes processualistas durante anos. Recusar a aplicação de qualquer um de seus dispositivos seria, então, uma atitude radical, inconcebível.
Raciocinando a situação, posta a partir desse pressuposto, e tomando por base a visualização de que a quantidade de artigos do novo CPC admitidos como aplicáveis no processo do trabalho é o determinante para a qualificação dos autores, teríamos a conclusão, também inevitável, de que aqueles que não concordam com a aplicação de todos os artigos do novo CPC no processo do trabalho seriam, então, não-ponderados.
Se o ponto ideal da ponderação for a aplicação não de todos mas de alguns artigos, teríamos que estabelecer, então, qual é o número de artigos que define um argumento ponderado, seguindo, na sequência, os efeitos dessa definição. Assim, os que estivessem abaixo desse número entrariam na categoria dos “não-ponderados” e seriam, ainda, subdivididos em “radicais”, quais seja, os que não admitem a aplicação de qualquer artigo, e os “quase radicais” ou “quase ponderados”, conforme estivessem mais próximos da ponta ou do meio. Já os que se situassem acima do ponto ideal seriam catalogados como “ponderados demais” ou “excessivos”, subdivididos em “excessivos ponderados” e “excessivos radicais”, também conforme uma escala preestabelecida.
Vale reparar, ainda na lógica do raciocínio meramente quantitativo, que se os “ponderados” não são acordes quanto ao número de artigos do NCPC aplicados ao processo do trabalho o que se tem é uma ausência de objetividade para a definição da questão, transportando os aplicadores de artigos do novo CPC no processo do trabalho ao plano do arbítrio, ao exercício do império das próprias razões. Assim, a oposição à radicalidade não seria a ponderação, mas o arbítrio.
A classificação mais correta, portanto, seria: radicais e arbitrários, ou radicais e superficiais. E, convenhamos, melhor ser chamado de radical do que de arbitrário ou superficial.
Ou seja, dá para ficar atribuindo nomes, com intenção pejorativa, a todos os autores, só que o resultado desse esforço é que o conteúdo próprio do debate se perde. Por isso, embora não recuse a importância da radicalidade, entendo que a discussão não deve ser travada neste nível, até porque uma classificação dessa ordem, como dito, presta-se mesmo a evitar o debate.
2. Um argumento de legalidade
Não cabe, também, a acusação de ilegalidade aos que recusam a aplicação da totalidade do novo CPC ao processo do trabalho, pois o art. 769 da CLT[2] diz, expressamente, que os dispositivos do CPC somente serão aplicados ao processo do trabalho quando forem compatíveis com o processo do trabalho. Não está dito em tal dispositivo que devem ser aplicados artigos do CPC, obrigatoriamente, e, portanto, a questão matemática não altera a visualização do efetivo respeito ao dispositivo. Não aplicar todos os artigos do novo CPC é um resultado que parte da mesma base de raciocínio da aplicação de apenas alguns, não representando, pois, agressão ao artigo da CLT. Aliás, aplicar alguns, por dever de aplicar, é que representa desrespeito à previsão legal, pois, como dito, a aplicação deve atender a um pressuposto qualitativo, que provém da compatibilidade da regra que se pretende aplicar com o sistema processual trabalhista.
Ainda que se queira parecer um bom teórico, por meio do argumento da ponderação ou da razoabilidade, não há qualquer construção teórica relevante na atitude de partir do pressuposto de que necessariamente alguns artigos do CPC devem ser aplicados no processo do trabalho, até porque essa postura advém apenas de uma indisfarçável vontade de se ver considerado um ser acima das contradições humanas ou que provém simplesmente do medo de ser chamado de radical.
Além do mais, sem o aprofundamento do debate a contraposição a radical não é a ponderação, mas, como visto, a superficialidade ou o arbítrio, e se levarmos, então, a questão por esse lado, seria bastante possível resistir à acusação de radical, mesmo sem negar a relevância da radicalidade, partindo para o contra-ataque, acusando o acusador de arbitrário.
Fato é que no contexto de um enfrentamento apenas retórico não é possível dizer que estão mais certos ou errados os argumentos em função do número de artigos acatados como aplicáveis.
E vale insistir no aspecto de que não é essa questão classificatória o que me move. Na verdade, o que proponho é que a deixemos de lado e nos fixemos na formulação de um postulado teórico que sirva à aplicação objetiva do art. 769 da CLT, integrado à realidade atual, seguindo, ademais, a linha da recente modificação doutrinariamente introduzida no entendimento do referido artigo, que foi integrada à jurisprudência, da lacuna axiológica. Ora, sempre se disse que quando a CLT tivesse regra expressa não se poderia aplicar dispositivos do CPC que tratassem do mesmo assunto, mesmo que a regra da CLT estivesse obsoleta frente à inovação do CPC, já que o art. 769 da CLT se refere à lacuna como elemento justificador da aplicação do CPC. Mas, ao se compreender que o art. 769 não poderia ser utilizado para obstar a efetividade do processo e a melhoria da prestação jurisdicional, admitiu-se a existência de lacunas axiológicas, ou seja, de inaplicabilidade da regra da CLT em razão do advento de outra mais eficaz no CPC, e eu mesmo fui um dos defensores dessa transposição de vários textos inovadores do CPC para o processo do trabalho[3].
A questão é que se inicialmente era possível vislumbrar certa aproximação entre a CLT e o CPC, as alterações posteriormente introduzidas no processo civil geraram um distanciamento cada vez mais profundo entre o processo do trabalho e o processo civil. O CPC de 1939 era bastante próximo da CLT (de 1943). O CPC de 1973 se afastou bastante da CLT, valendo destacar que o encantamento com o CPC de 73 durou pouco, haja vista a demanda por reformas, conforme fala da professora Ada Pellegrini Grinover, proferida em 1978, abaixo citada. As modificações advindas em 1994 provocaram, como dito, até uma necessidade de reaproximação entre os dois processos. Mas, agora, o novo CPC, de 2015, promoveu uma ruptura insuperável, pois seus valores são: privatização do processo, visto como negócio das partes; conciliação a qualquer custo; padronização das decisões para conferir segurança aos negócios; juiz gestor; e incentivo às vias privadas de solução de conflitos.
Aliás, tomando por base o tamanho da complexidade procedimental estabelecida no novo CPC não é excessivo dizer que a demora para a solução dos casos na via processual é um efeito assumido, servindo, isto sim, como um incentivo para o incremento dos modos extrajudiciais, os quais, curiosamente, não são regulados e, consequentemente, são desprovidos de trâmites burocráticos.
Além disso, a intelectualidade processual civil, alimentando a lógica da preservação de mercado já começa a criar nomes para qualificar institutos e, com isso, complicando um pouco mais as coisas. Tem-se falado, então, em “princípio do contraditório substancial”, “teoria da causa madura”, “primazia do mérito”, “princípio da unificação procedimental”, “flexibilização procedimental”, “princípio da cooperação”, que constituem fórmulas complexas para tratar de coisas simples, contribuindo para a retomada da lógica do período de “cientificização” do direito processual, de modo a jogar por terra todo o esforço empreendido durante vários anos para a compreensão do processo como instrumento, além de trazer à tona a noção, que há muito havia sido superada, do processo como um fim em si mesmo.
3. Formulação teórica
Pois bem, sem as amarras de uma suposta ponderação, que exigiria a aplicação de certo número de artigos do CPC ao processo do trabalho, leiamos novamente o artigo 769, da CLT. Será possível reparar, então, que referido dispositivo diz expressamente que nenhum artigo do processo comum se aplica ao processo do trabalho, consignando para o juiz a possibilidade de atrair para o processo do trabalho regras do processo comum apenas quando sejam compatíveis com a CLT e possam ser benéficas aos objetivos do processo do trabalho.
Cumpre ao juiz, então, a obrigação de demonstrar a pertinência dessa transposição, que não é, portanto, nem automática nem obrigatória.
Assim, por aplicação do art. 769 da CLT não é quem deixa de aplicar as regras do CPC no processo do trabalho que deve explicar porque o faz, vez que essa inaplicabilidade está pressuposta no teor do artigo 769. Deve fazê-lo, isto sim, aquele que pretenda aplicar uma ou mais regras do CPC na prática processual trabalhista.
O artigo 769, da CLT, ademais, conforme sentido extraído da técnica de interpretação sistemática, visto, portanto, em consonância com os demais regramentos do Capítulo I, do Título X, da CLT, e, em especial, o art. 765[4], é uma regra direcionada ao juiz, para que possa atrair para o processo do trabalho os dispositivos do processo comum que sejam compatíveis com a CLT e que lhe pareçam ser benéficos aos objetivos do processo do trabalho, cumprindo-lhe, de todo modo, repita-se, a demonstração do cabimento dessa atuação.
O presente postulado, ademais, não tem nada de inovador, vez que não passa de uma retomada da própria essência do artigo 769, que é a de proteger o processo do trabalho, para que possa cumprir o seu papel de conferir autoridade à ordem jurídica trabalhista.
O que vislumbro é apenas o aprofundamento do debate a respeito dessa questão de forma honesta e franca, partindo do mesmo pressuposto que anima a todos aqueles que têm se debruçado sobre o tema, que é o de preservar a funcionalidade objetiva da Justiça do Trabalho.
4. A centralidade do processo do trabalho
E nem se diga que o novo CPC, em seu art. 15, obriga a transposição de regras e institutos do CPC para o processo do trabalho, pois as normas mais recentes não revogam as anteriores quando específicas e ninguém há de negar ao menos a especialidade do processo do trabalho frente ao processo civil. O processo do trabalho não nasce do processo civil. Dentro da própria racionalidade advinda do princípio da instrumentalidade, o processo do trabalho nasce do direito material trabalhista, o que, aliás, pode ser confirmado no estudo de toda a história de formação da Justiça do Trabalho e, consequentemente, do processo do trabalho, que tem como um dos postulados, ademais, se desatrelar das formalidades e dos rituais do processo civil.
Cabe perceber que o sentido ora proposto ao art. 769 da CLT não se contrapõe, na essência, ao esforço, sério e sincero, empreendido por vários juristas processuais trabalhistas que se debruçaram sobre o tema, no sentido de tentar extrair do novo CPC apenas as regras que não contrariem a lógica do processo do trabalho. Aliás, não só não o contraria como o reforça porque extrai desses autores a obrigação de fundamentar porque, afinal, não aplicam os demais artigos do NCPC, afastando, inclusive, a acusação de “arbitrariedade” por aplicarem uns e não aplicarem outros dispositivos.
Se o pressuposto teórico fosse o de que alguns artigos devem ser necessariamente aplicados, como resultado de uma postura razoável e ponderada, a não aplicação precisaria ser justificada o tempo todo e essa não é tarefa muito simples, pois a argumentação lógica nem sempre consegue demonstrar de forma clara o prejuízo, só visualizável em situações concretas específicas. O efeito, extremamente arriscado, seria o de abrir a porta para a entrada de vários dispositivos nefastos ao processo do trabalho, sendo que o novo CPC é repleto deles, vez que construído a partir de preocupações muito distintas daquelas que norteiam o processo do trabalho.
Considerando a incompatibilidade de fundo entre o novo CPC e a CLT a posição que me parece mais coerente e honesta é a de recusar, por inteiro, a aplicação do CPC, pois, mesmo com o pressuposto teórico estabelecido de que o juiz pode atrair do CPC a regra que considerar necessária, parece-me meio complexo, para dizer de forma amena, fatiar e fragmentar o CPC de modo a separar parágrafos de incisos, incisos de artigos, artigos de capítulos, como se estivesse aplicando o CPC porque, de fato, não se o está fazendo.
Aliás, mesmo quando se defende a aplicação de algum instituto do NCPC no processo do trabalho e se o faz mediante a realização de “necessárias adaptações” ao procedimento trabalhista não se está, de fato, aplicando o NCPC. O que se faz é apenas criar um disfarce retórico para superar a incompatibilidade entre a previsão normativa do CPC e o processo do trabalho, driblando a regra do art. 769 da CLT ao mesmo tempo em que se finge atender a uma suposta obrigatoriedade de fazer incidir o instituto processual civil no processo do trabalho.
Ora, vendo a questão do ponto de vista da teoria geral do direito, ao se buscarem normas de outros ramos para um ramo específico não se está aplicando o direito externo e sim uma ou algumas de suas normas, cujo sentido, por conseguinte, será aquele que atende aos princípios do ramo do direito específico, pois não é lógico que uma norma externa, chamada para o preenchimento de uma lacuna, seja capaz de, por si, contrariar toda a especificidade do ramo em que venha a ser inserida. Então, não se deixa de aplicar o processo do trabalho quando se busca no processo civil alguma norma que interesse à efetividade da prestação jurisdicional trabalhista.
As características da oralidade, ademais, consignam no procedimento trabalhista uma simplicidade e uma informalidade tais que, atendendo o objetivo de entregar aos trabalhadores os bens da vida perseguidos, e a que tenham efetivamente direito, de forma célere e eficaz, exigem do juiz uma atuação criativa, impulsionada pelas peculiaridades de cada caso, ou mesmo determinada pela visualização coletiva do conflito, sem desatender, é claro, os postulados do contraditório e da ampla defesa, mas que, não sendo valores absolutos, não se perfazem em abstrato, ainda mais de modo a evitar a própria efetividade do ordenamento jurídico, exigindo-se, pois, que sejam vistos e aplicados a partir do reconhecimento da desigualdade material e também processual que marcam a relação capital-trabalho.
Além disso, a atração mesmo parcial do novo CPC traz consigo o risco de graves retrocessos ao processo do trabalho, sobretudo no que se refere à atuação do juiz, que é um personagem extremamente importante no princípio da oralidade, reforçado na CLT, e que foi, frontalmente, rechaçado no novo CPC.
De todo modo, pela compreensão do art. 769 ora proposta, que rejeita a presunção da necessidade de aplicação do CPC ao processo do trabalho, a atração de artigos do novo CPC ao processo do trabalho se dá por uma espécie de convite do juiz. Não se trata, pois, de uma invasão, uma força externa que não possa ser contida.
5. A Justiça do Trabalho em foco
É bastante importante deixar as coisas às claras, para que não se fique no limite de investigação determinado por aquelas qualificações pejorativas referidas inicialmente. Os fundamentos do novo CPC baseiam-se em uma visão de mundo que considera necessário conter a atuação de juízes sociais. Mas a racionalidade do processo do trabalho, obviamente, é outra, tanto que as regras de proteção do processo do trabalho frente aos possíveis ataques do CPC são direcionadas ao juiz, a quem cumpre definir, portanto, como o procedimento deve se desenvolver, gostem disso, ou não, os elaboradores do novo CPC.
Aliás, é indisfarçável o desejo dos elaboradores do NCPC de suprimir, por via transversa, práticas processuais trabalhistas. Lembre-se também que a reforma do Judiciário, iniciada em 1994, pretendia a extinção da Justiça do Trabalho, sobretudo por conta da atuação social dos juízes trabalhistas. A tentativa foi derrotada pela força política dos profissionais ligados à área trabalhista: advogados, procuradores e juízes. A recomendação do Banco Mundial (Documento n. 319, traduzido para o português e publicado no Brasil em 1996) continuou sendo, no entanto, a redução dos poderes do juiz e a imposição de uma racionalidade econômica à jurisdição, sob a suposição de que isso garantiria segurança aos negócios. O novo CPC traz os elementos dessa reforma e o alvo direto é o juiz social do trabalho, que, na visão retrógrada de muitos, estaria levando muito a sério essa ideia de aplicar direitos trabalhistas no Brasil.
E se o propósito do novo CPC não tiver sido este, de conter a atuação do juiz social, pretendendo, isto sim, trazer inovações importantes para aprimorar a prestação jurisdicional, tornando-a mais célere e eficaz, por meio de um “procedimento flexível”, há de se reconhecer que não contraria os objetivos do processo civil a postura de não aplicar suas regras caso no procedimento específico houver normas que, atendendo as peculiaridades da relação de direito material, forem mais eficazes que aquelas do processo civil, não se podendo, por consequência, criar qualquer objeção a respeito.
Uma eventual objeção a essa postura apenas revela, portanto, que o propósito de impor a aplicação do novo CPC ao processo do trabalho foi mesmo o de criar embaraços à atuação criativa do juiz do trabalho e o pior de tudo isso é que tais obstáculos servem, exclusivamente, àqueles que se valem de estratégias fraudulentas para dificultar a prestação jurisdicional.
Veja-se, por exemplo, a questão pertinente à inovação trazida no CPC do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, para a suposta garantia do contraditório. Ora, o juiz do trabalho não vai atrás dos bens dos sócios de pessoas jurídicas socialmente responsáveis, que são economicamente sólidas e que não lidam com os direitos trabalhistas na lógica do desrespeito reiterado. Ou seja, somente vai atrás dos bens dos sócios, superando, inclusive, a formalidade do estatuto social, para alcançar os sócios de fato, quando a pessoa jurídica não possui capital ou bens e se ativou no mercado mediante a exploração do trabalho alheio de forma irresponsável, cometendo o ilícito de expor direitos alheios a riscos. Assim, limitar a atuação do juiz nesta seara apenas serve ao fraudador.
Aliás, é bastante curioso verificar o argumento da defesa de uma pretensa legalidade, em torno do respeito ao direito constitucional ao contraditório, saindo da boca exatamente daqueles que descumprem de forma deliberada e reiterada a ordem jurídica como um todo e querem se valer seletivamente de uma ou algumas normas apenas para se manterem impunes.
No aspecto histórico-evolutivo é interessante perceber que a linha processual anteriormente adotada, que imprimiu celeridade e efetividade ao processo, chegou a impor aos processualistas trabalhistas a necessidade de romper resistências internas para que fosse possível a aplicação das inovações do processo civil. Eu mesmo sai em defesa da aplicação da tutela antecipada, da execução definitiva e do art. 475-J ao processo do trabalho, contribuindo para a formação da noção de que o mesmo artigo 769, da CLT, não poderia ser visto como empecilho à transposição desses institutos para o processo do trabalho mesmo que houvesse lacuna na CLT a respeito. Foi necessário, inclusive, romper o argumento de objeção de que não seria aplicável no processo do trabalho a tutela antecipada, por exemplo, porque se o fosse não seria utilizada como exceção e sim como regra, dadas as características das reclamações trabalhistas.
A realidade agora, no entanto, é outra e, no conjunto, o novo CPC corresponde a um enorme risco para a efetividade do processo do trabalho e para a própria sobrevivência da Justiça do Trabalho, como demonstrado.
A temática da aplicação subsidiária do CPC ao processo do trabalho, portanto, não é um problema de ordem matemática, que se completa em avaliações pontuais. Há uma questão política subjacente, que impõe aos juízes trabalhistas a necessidade de resistir para preservar tanto a Justiça do Trabalho quanto o próprio Direito do Trabalho.
Acrescente-se que, considerando o estágio de evolução da experiência processual trabalhista muitas das saídas encontradas pelos elaboradores do NCPC, acreditando ter trazido contribuições inéditas para a solução de entraves processuais, já eram há muito aplicadas no processo do trabalho e com maior eficácia.
E cumpre repetir: não se diga que tal postura de negar a aplicação do CPC é ilegal porque, afinal, o art. 769 da CLT é lei e se sobrepõe, por aplicação das normas e princípios de teoria geral do direito, ao art. 15 do novo CPC.
6. Implicações do postulado teórico
Para facilitar a compreensão, o que se está tentando dizer é que se o juiz do trabalho quiser aplicar algum dispositivo do novo CPC, para uma melhor realização dos objetivos do processo do trabalho, poderá fazê-lo, mas deverá, primeiro, compreender que mesmo neste caso não estará aplicando o processo civil e sim o processo do trabalho, e, segundo, precisará justificar sua posição, demonstrando como a aplicação pretendida é compatível com o processo do trabalho e como se presta a melhorar a prestação jurisdicional, assumindo, por óbvio, a responsabilidade da conseqüência do ato, que, inversamente do imaginado, vier a piorar a sua atuação, comparada com a de outros juízes que não admitiram a mesma transposição, sendo certo que não poderá dizer que a procedeu porque estava obrigado.
Como conseqüência do pressuposto teórico proposto, não haverá para a parte o direito de exigir do juiz a adoção de algum procedimento do novo CPC baseado apenas no argumento de existir a previsão no CPC ou mesmo de que outros juízes do trabalho o tenham aplicado. Para esse convencimento, também a parte deve demonstrar como a norma contribuiria para uma maior eficácia dos objetivos fundamentais do processo do trabalho.
Dentro da linha apresentada, aliás, o juiz do trabalho, mesmo visualizando uma utilidade na aplicação da norma do CPC não precisa fazer o transpasse, bastando-lhe, por força do contido no art. 765 da CLT, fixar um procedimento análogo, cabendo lembrar, a propósito, que vários dos avanços experimentados pelo processo civil nas últimas décadas, tanto em termos legislativos quanto doutrinários, advieram de práticas processuais trabalhistas adotadas em diversas Varas do Trabalho ou desenvolvidos em textos acadêmicos de processualistas da área do trabalho, sendo que tal cópia nunca foi assumida.
De fato, a vivência concreta do processo do trabalho e mesmo os ensaios doutrinários processuais trabalhistas, ainda que tenham sido fontes de inspiração para muitas evoluções do processo civil, nunca foram reverenciados ou sequer mencionados pelos civilistas, com raras exceções. Vide, neste sentido, Ada Pellegrini Grinover, que, em 1978, já alertava sobre a necessidade de se adotarem no processo civil muitas das inovações do processo do trabalho:
"As características mais marcantes do processo trabalhista tendem, por outro lado, a impregnar o processo comum, permitindo-lhe alcançar um maior grau de democratização, de oralidade, moralidade e publicização, em obediência aos princípios informativos do processo (....). Com efeito, o processo trabalhista é permeado pela celeridade (concentração de atos, simplificação das formas e limitação dos recursos...); pela economia (máximo de rendimento com o mínimo de esforço); pela eficácia (justiça real, corrigindo as desigualdades substanciais). Um alto grau de oralidade (com seus corolários: a imediação, a concentração e a irrecorribilidade das interlocutórias), a aplicação da eqüidade (com a extensão e a revisão das sentenças próprias do juízo determinativo), o tecnismo e a especialização, a possibilidade de julgamento "extra petita" (reintegração do funcionário estável), o foro de eleição para a parte mais fraca, a conciliação, os efeitos da revelia e tantos outros princípios tendem, cada vez mais acentuadamente, a ser transpostos para o processo comum."[5] – grifou-se
Assim, o juiz do trabalho pode, por exemplo, atrair para o processo do trabalho o princípio da atuação de ofício do juiz nas tutelas de urgência, já que nenhum artigo do novo CPC exige iniciativa da parte para que tal providência seja tomada, assim como também a noção, que se extrai do conjunto normativo contido no NCPC, da realização de inspeções judiciais sem comunicação prévia das partes, mas sem a necessidade de explicitar os artigos do CPC em que se baseia.
Pode, também, para rechaçar os retrocessos do novo CPC, manter alguns parâmetros regulatórios do antigo CPC, como o da multa do art. 475-J e da antecipação da tutela tratada no art. 273, vez que já integrados ao processo do trabalho como normas consuetudinárias, sendo que, no fundo, sequer precisa de toda essa construção argumentativa em razão do que dispõem os artigos 652, “d”[6], e 832, § 1º[7], da CLT, além do já citado artigo 675, que permitem, inclusive, a fixação de “astreintes” em sentença, para garantir a sua eficácia, conforme já destacava Vicente José Malheiros da Fonseca, em 1988[8].
Verifique-se, a propósito, o quanto o conteúdo da sentença trabalhista, fixado no artigo 832, difere da previsão, impossível de ser cumprida, do art 489, do NCPC.
Vários foram os anos de história de vivência do processo do trabalho sem uma incidência necessária do CPC e com os juízes do trabalho atuando criativamente para buscarem procedimentos pertinentes às peculiaridades dos conflitos submetidos à sua apreciação. Poderia, aliás, nesse passo, ficar aqui citando inúmeros casos de atuação procedimental jurisprudencial, que, no fundo, refletem uma somatória das iniciativas de diversos juízes do trabalho, procurando a superação de obstáculos concretos à efetividade da prestação jurisdicional. No entanto, como o objetivo desse texto é o da fixação de fundamento teórico, a narração seria mais uma curiosidade do que um reforço argumentativo.
7. Conclusão
Insista-se, portanto, na essência do tema, que é o de que a centralidade da análise deve partir da racionalidade do processo do trabalho, pensado dentro da linha de interesses específicos da Justiça do Trabalho. Não cabe, pois, buscar compreensões tomando como ponto de partida a lógica do processo civil e seus postulados.
Dentro desse contexto, vale reforçar a noção de que nenhuma parte, sobretudo na condição de reclamada, tem o direito de tentar impor ao juiz do trabalho um procedimento fixado no novo CPC, que venha a servir apenas ao propósito de postergar o andamento do processo ou de extrair-lhe a efetividade. E repare-se que muitos processualistas civis, para tentar romper as barreiras que os juízes do trabalho estão oferecendo ao novo CPC, compreendendo os riscos do momento histórico, já estão dizendo que o novo CPC, por imposição do seu art. 15, não é simplesmente aplicável de forma subsidiária aos demais processos. Visualizando o novo CPC como o centro da racionalidade de todos os processos, inclusive o do trabalho, apontam seu caráter de supletividade com relação aos demais, tentando fazer com que as normas do novo CPC sejam obrigatoriamente aplicadas aos demais processos, autorizando a incidência das normas dos processos “especiais” apenas quando não contrariarem os fundamentos do novo CPC e este não regular, expressamente, a hipótese. Vejam, pois, como diria Machado de Assis, a sutileza dos marotos...
Enfim, é preciso rejeitar a fragilidade dos argumentos baseados em suposta ponderação ou razoabilidade que trazem consigo os pressupostos de que a aplicação de artigos do CPC ao processo do trabalho é obrigatória e de que a rejeição da aplicação de regras do CPC precisa ser fundamentada e somente acatada excepcionalmente. O artigo 769 da CLT, entendido como norma de proteção do processo do trabalho, vai em sentido diametralmente oposto, recusando a aplicação da totalidade dos dispositivos do CPC e impondo ao juiz que queira convidar algumas previsões normativas do CPC, para incrementar o procedimento trabalhista, a obrigação de justificar sua posição a partir da demonstração de como a atração requerida pode melhorar a prestação jurisdicional, sendo que na situação presente, de incompatibilidade de fundamentos entre o novo CPC e o processo do trabalho, que gera, de fato, um conflito incontornável, a posição que me parece mais lógica, racional, coerente e honesta é a da rejeição plena do novo CPC[9], suprindo-se as eventuais lacunas por aplicação criativa e responsável do art. 765 da CLT, até porque a radicalidade contida expressamente no art. 769 da CLT mostra-se, no presente momento, essencial para a salvaguarda da Justiça do Trabalho, do juiz social e, consequentemente, dos direitos trabalhistas.
São Paulo, 15 de agosto de 2015.
[1]. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. 2015. O conflito entre o novo CPC e o processo do trabalho. Disponível em http://www.anamatra.org.br/index.php/artigos/o-conflito-entre-o-novo-cpc-e-o-processo-do-trabalho
[2]. Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
[3]. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Reflexos das alterações do código de processo civil no processo do trabalho. Revista LTr, v.70, p.920 - 930, 2006.
[4]. Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.
[5]. GRINOVER, Ada Pellegrini. Processo Trabalhista e Processo Comum. Revista de Direito do Trabalho, n. 15. São Paulo, RT, 1978, p. 92.
[6]. “Art. 652 - Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento:
d) impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência.”
[7]. “Art. 832 - Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.
§ 1º - Quando a decisão concluir pela procedência do pedido, determinará o prazo e as condições para o seu cumprimento.”
[8]. FONSECA, José Vicente Malheiros da. Eficácia da sentença: “astreintes”. Multa diária por atraso de pagamento de direitos reconhecidos em sentença. Revista LTr, vol. 52, n. 9, setembro de 1988, p. 1.060.
[9]. Até porque é de se duvidar que mesmo os juízes cíveis acatarão por inteiro, sem qualquer adaptação e maleabilidade, o referido Diploma, pois se o fizerem o efeito poderá ser o do travamento pleno da jurisdição.