Não vou, ao menos no âmbito desse texto, insistir nos argumentos de contrariedade ao movimento de “reforma” trabalhista e ao objeto que resultou de toda essa insensatez que foi a Lei n. 13.467/17.
Quero, de forma específica, tentar demonstrar que as condenações de reclamantes ao pagamento de honorários de advogados das reclamadas, sobretudo em vultosas quantias, não encontram amparo nem mesmo na literalidade da Lei n. 13.467/17, constituindo, igualmente, grave afronta à garantia constitucional do acesso à justiça.
“Na forma do caput e do §2º e 3º do art. 791-A da CLT, inserido pela Lei 13. 457/2017, julgo procedentes os honorários advocatícios no importe de 15% sobre o valor da condenação em favor das partes, observando-se a sucumbência recíproca. No caso, o reclamado somente foi sucumbente nas horas extras decorrente da não concessão do intervalo do art. 384 da CLT, condenação esta que fixo em R$ 50.000,00, razão pela qual condeno o réu ao pagamento de R$ 7.500,00. Já a reclamante foi sucumbente nos demais pedidos - R$ 450.000,00 -, razão pela qual a condeno ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de R$ 67.500,00.”[i]
Mas o que diz, precisamente, a Lei n. 13.467/17 a respeito? Vejamos:
“Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
§ 1º Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.
§ 2º Ao fixar os honorários, o juízo observará:
I – o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.
“§ 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.”
§ 5º São devidos honorários de sucumbência na reconvenção.”
Antes de analisar os termos expressos na lei, cumpre destacar que os honorários advocatícios constituem forma de remuneração do trabalho prestado pelos advogados, tendo, inclusive, natureza alimentar, não sendo, pois, mero custo do processo para punir a procedência ou a improcedência da pretensão deduzida em juízo. A eventual prática de litigância de má-fé é questão distinta, cuja análise remete aos arts. 793-A e ss, da CLT, mas que não será aqui tratada.
Dentro do contexto específico do art. 791-A da CLT, considerando a natureza jurídica dos honorários, cabe reconhecer que a remuneração dos advogados de reclamantes (trabalhadores) é vinculada ao proveito econômico obtido no processo, enquanto que a remuneração dos advogados de reclamadas (empregadoras), em geral, não depende do resultado da lide.
Foi por essa razão que, conforme se percebe da literalidade do caput do art. 791-A, a preocupação do legislador foi com a remuneração dos advogados dos reclamantes, afirmando-se, claramente, que a base de cálculo dos honorários é o “valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”.
Repare-se que, bem ao contrário do que se afirmou na sentença acima referida, nos limites estritos da previsão legal, o valor do pedido não é base de cálculo dos honorários.
Os parâmetros serão, unicamente, a “liquidação da sentença” e o “proveito econômico” (substituído pelo valor da causa quando este proveito não puder ser mensurado, como nas hipóteses de obrigação de fazer ou de ações meramente declaratórias), que se produzem unicamente nas hipóteses de procedência de um pedido formulado pelo reclamante.
A contrario sensu, quando se estiver diante da improcedência total dos pedidos, não se tem fundamento legal para impor uma condenação de honorários advocatícios ao reclamante.
Havendo sucumbência recíproca, isto é, quando algum pedido do reclamante foi julgado improcedente e outros procedentes, como se deu, inclusive, na situação refletida no processo mencionado, a norma a ser aplicada é a do § 3º do mesmo artigo 791-A, mas esta norma não autoriza a fixação de honorários para o advogado da reclamada no percentual de 5 a 15% sobre o valor do pedido julgado improcedente.
Vale ler o dispositivo novamente: “§ 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários”.
Para arbitrar o valor dos honorários, o juiz deverá sempre ter em mente as diferenças econômicas das partes, conforme determina, inclusive, o art. 223-G, XI, da CLT, com o teor também trazido pela Lei nº 13.467/17.
Se, para o efeito de fixação da indenização por dano extrapatrimonial, segundo referido dispositivo, o juiz dever avaliar “a situação social e econômica das partes envolvidas”, com muito maior razão deverá fazê-lo para arbitrar o valor dos honorários advocatícios das partes no processo.
Respeitando o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF), que impõe uma visualização concreta da igualdade, ou seja, como um objetivo a ser atingido de forma palpável, impondo, pois, um tratamento dos desiguais de forma desigual, na medida em que se desigualam, o custo processual dos honorários advocatícios deve se relacionar à diversidade econômica das partes que é, inclusive, a característica específica da relação jurídica trabalhista, instrumentalizada pelo processo do trabalho.
Não é possível que, sob o pretexto de remunerar o trabalho do advogado da reclamada, geralmente uma empresa, o juiz fixe um valor que anule o proveito econômico obtido pelo reclamante no mesmo processo ou até mesmo que remunere o advogado da reclamada em montante superior àquele devido ao advogado do reclamante.
Uma condenação que não respeita esses limites terá o propósito indisfarçável de punir o reclamante e de afrontar o direito fundamental de acesso à justiça, conferido a todo e qualquer cidadão. A garantia do acesso à justiça está fixada no inciso XXXV, do art. 5º da CF com os seguintes dizeres: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. E se a lei não pode criar obstáculos ao acesso à justiça, por certo não poderá fazê-lo o juiz, ainda mais por meio de decisão sem suporte legal e sem oferecer, sequer, parâmetros de ponderação e de razoabilidade.
O próprio art. 791-A reconhece a necessidade da percepção das desigualdades econômicas ao estabelecer que o valor dos honorários devidos ao advogado do reclamante será fixado a partir de um percentual que varia de 5 a 15%. O § 2º do mesmo artigo ainda acrescenta que na fixação desse percentual o juízo observará: “I – o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”.
Bem se vê, portanto, que o texto expresso do art. 791-A da CLT, trazido pela Lei n. 13.467/17, não embasa as condenações de reclamantes ao pagamento de honorários advocatícios em valores que anulam o benefício econômico obtido pelo trabalhador e que vislumbram, na verdade, punir economicamente o reclamante para, com isso, criar um obstáculo generalizado ao acesso à Justiça, reduzindo, de maneira artificial e estimulante do desrespeito aos direitos trabalhistas, a quantidade de processos distribuídos na Justiça.
No caso acima aludido, foi reconhecido que a empresa feriu, diariamente, durante toda vigência da relação de emprego, direitos trabalhistas do reclamante, chegando, inclusive, ao montante de R$50.000,00. No entanto, se considerou a ilegalidade reiterada da empresa, que feria preceito fundamental, menos grave do que uma afirmação feita pelo reclamante na petição inicial. Ou seja, todo o ilícito da reclamada foi perdoado porque o reclamante, na avaliação judicial feita, expressou, na petição inicial, uma pretensão improcedente. Aliás, não foi só isso, pois a empresa, pela abstração processual, ainda saiu credora do reclamante.
Destaque-se que um pedido acatado com valor inferior ao pretendido não atrai o instituto da sucumbência recíproca, conforme, aliás, já se definiu na Súmula n. 326 do STJ: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”.
Importante lembrar, também, que as vultosas condenações em honorários têm tomado como parâmetro os pedidos de indenização por dano moral por agressão a direito de personalidade ou pela ocorrência de acidentes de trabalho (incluindo doenças profissionais), o que torna as condenações em questão ainda mais desprovidas de fundamento jurídico.
No que se refere aos pleitos de indenização, os valores do pedido são apenas indicativos. Concretamente, o valor eventualmente devido é livremente fixado pelo juiz, tendo à vista as peculiaridades do caso e quase sempre é totalmente desvinculado do valor expresso na inicial, até porque a configuração do dano e seus efeitos, no que se refere aos acidentes do trabalho, depende de perícia médica, realizada no curso do processo por profissional habilitado e de confiança do juízo. A pretensão do reclamante a respeito, portanto, é sempre uma suspeita, já que não sendo médico ou jurista não possui o conhecimento necessário para fazer, tecnicamente, essa avaliação, o que se dá também com relação às pretensões pertinentes à insalubridade e periculosidade.
Com relação aos acidentes de trabalho, a regra básica é a de que esse tipo de ação, mesmo em outras esferas do Judiciário, deve ser isenta de qualquer custo, para que não se impeça que as discussões a respeito do tema, dada a sua gravidade social, com imensa repercussão no potencial econômico do país, não deixem de chegar aos órgãos públicos. Há, por assim dizer, um interesse público em não criar obstáculos para que a temática seja levada ao Judiciário.
É este, precisamente, o sentido do art. 129, da Lei n. 8.213/91, destinado às ações em face do INSS, mas plenamente aplicável às ações trabalhistas, com o seguinte teor:
“Art. 129. Os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:
I - na esfera administrativa, pelos órgãos da Previdência Social, segundo as regras e prazos aplicáveis às demais prestações, com prioridade para conclusão; e
II - na via judicial, pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumaríssimo, inclusive durante as férias forenses, mediante petição instruída pela prova de efetiva notificação do evento à Previdência Social, através de Comunicação de Acidente do Trabalho–CAT.
Parágrafo único. O procedimento judicial de que trata o inciso II deste artigo é isento do pagamento de quaisquer custas e de verbas relativas à sucumbência.”
Sem a percepção da gravidade do problema, não se avaliando a totalidade jurídica que alcança a questão e com a intensa difusão midiática de decisões que, indo além dos limites legais, impuseram altos custos aos reclamantes, estão sendo afastadas do Judiciário trabalhista questões extremamente relevantes, por envolverem temas de saúde pública e de custo social, como os que se ligam ao meio ambiente de trabalho (doenças profissionais, assédio, insalubridade e periculosidade), o que alguns, inadvertidamente, apontam como efeito benéfico da “reforma”[ii].
Oportuno acrescentar que o § 4º do art. 791-A, ao estabelecer que mesmo o beneficiário da justiça gratuita será condenado ao pagamento de honorários advocatícios da parte contrária, contraria toda tradição jurídica brasileira, respeitada em todas as esferas do Judiciário, e afronta a previsão expressa do inciso LXXIV do art. 5º da CF: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Enfim, a respeito da imposição de custos elevados aos trabalhadores pelas condenações ao pagamento de honorários advocatícios, o que tem gerado grave e generalizado obstáculo ao acesso à Justiça do Trabalho, só se pode atribuir culpa à “reforma” trabalhista no aspecto da difusão de um espírito antitrabalhista e de uma lógica autoritária, impulsionados pela Lei n. 13.467/17, sobretudo pela forma como foi aprovada e pelos argumentos em que se sustentou, pois, considerando o que restou expressamente regulado, não se extrai da referida lei uma autorização para se chegar a decisões com esse conteúdo.
Alguém poderá dizer que a intenção do legislador foi a que está refletida nessas decisões que estão impondo esse custo aos reclamantes e que, portanto, o legislador não teria sabido expressar exatamente o que pretendia dizer. Mas daí não se obtém um argumento jurídico eficiente para validar tais condenações, até porque ao se permitir a criação, de maneira totalmente arbitrária, de obstáculos ao acesso à justiça, acaba-se contribuindo para fragilizar ainda mais todos os demais direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.
Só se conseguiria com esse argumento, portanto, atingir o ponto da concordância com aquilo que muitos estão dizendo desde que essa balbúrdia teve início, no sentido de que a lei da dita “reforma”, elaborada de forma açodada e fora dos parâmetros democráticos, foi muito mal redigida. Trata-se de uma lei que apenas servirá para gerar inseguranças jurídicas, o que faz realçar a única alternativa responsável possível, que é a da sua completa e urgente revogação.
Seja como for, não há qualquer suporte jurídico para que se negue o acesso à justiça por intermédio da imposição aos trabalhadores do pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.
São Paulo, 31 de março de 2018.
[i]. https://www.conjur.com.br/2017-dez-14/juiz-usa-reforma-condenar-trabalhador-acao-anterior-lei
[ii]. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,nova-lei-trabalhista-faz-desaparecer-acoes-por-danos-morais-e-insalubridade,70002249757