Lorena Vasconcelos Porto[1]
Augusto Grieco Sant'Anna Meirinho[2]
RESUMO: O presente artigo visa ao estudo das dispensas em massa no contexto atual de pandemia do COVID-19. Primeiramente, analisa-se o artigo 477-A da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), com o objetivo de estabelecer a sua interpretação em conformidade com as normas constitucionais vigentes, os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil (controle de convencionalidade) e os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. Demonstra-se que o art. 477-A da CLT deve ser interpretado no sentido de que é necessária a negociação coletiva prévia com o sindicato laboral para a validade da dispensa em massa. Ademais, deve o empregador comprovar cabalmente a impossibilidade de adoção das medidas alternativas previstas nas Medidas Provisórias n. 927/2020 e n. 936/2020, que asseguram a manutenção do contrato de emprego, sob pena de invalidade da dispensa coletiva, a qual, portanto, somente pode ser realizada como ultima ratio.
Palavras-chave: Dispensa em massa. Reforma Trabalhista. Controle de convencionalidade. COVID-19.
(*) Texto originariamente publicado em: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3. Região. Belo Horizonte, edição especial, t. II, p. 477-507, jul. 2020 e reproduzido aqui com autorização da Revista e dos autores.
[1] Lorena Vasconcelos Porto é Procuradora do Ministério Público do Trabalho. Doutora em Autonomia Individual e Autonomia Coletiva pela Universidade de Roma “Tor Vergata”. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma “Tor Vergata”. Bacharel em Direito pela UFMG. Professora Convidada do Mestrado em Direito do Trabalho da Universidad Externado de Colombia, em Bogotá, e da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisadora. Autora de livros e artigos publicados no Brasil e no Exterior.
[2] Augusto Grieco Sant'Anna Meirinho é Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Previdenciário (PUC-SP). Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro. Bacharel em Ciências Náuticas pela Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (Rio de Janeiro). Pesquisador do Centro de Estudos em Direito do Mar “Vicente Marotta Rangel” da Universidade de São Paulo (Cedmar). Professor Universitário. Procurador do Trabalho do Ministério Público da União.
Atualmente os diversos países do mundo, entre eles o Brasil, vivenciam os efeitos causados pela pandemia do novo coronavírus (COVID-19), declarada como tal pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, o estado de calamidade pública foi reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 20 de março de 2020, tendo sido editada também a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para dispor sobre medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do COVID-19.
No âmbito trabalhista, foram editadas Medidas Provisórias pelo Poder Executivo Federal, podendo ser citadas as MPs n. 927, de 22 de março de 2020, e n. 936, de 1º de abril de 2020, as quais contêm diversos dispositivos inconstitucionais e inconvencionais, tais como aqueles que visam a permitir a redução de jornada de trabalho e de salário e a suspensão temporária de contrato de trabalho por mero acordo individual, isto é, sem convenção ou acordo coletivo de trabalho[1].
Nesse contexto, assume grande relevância o tema das dispensas em massa, isto é, o desligamento de um número considerável de trabalhadores, em um determinado lapso temporal, por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos. Com efeito, em razão da crise econômica decorrente da pandemia do COVID-19, não são poucas as empresas que vêm efetuando a dispensa de grande número de trabalhadores. Como veremos, a despedida coletiva deve necessariamente ser precedida pela negociação coletiva com os sindicatos profissionais por força das normas constitucionais vigentes no país e dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
Cumpre notar que, mesmo em situações institucionais e sociais potencialmente mais sérias do que a calamidade pública causada pelo COVID-19, como o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, os direitos fundamentais, inclusive aqueles previstos nos artigos 7º, 8º e 9º da CF/88, não podem ser colocados à parte pelos poderes da República[2]. Os direitos fundamentais trabalhistas são cláusulas pétreas (artigo 60, § 4º, IV, da CF/88)[3], em razão da própria indivisibilidade e interdependência dos direitos fundamentais, não podendo, pois, ser afetados, abolidos ou suprimidos nem mesmo pelo Poder Constituinte Derivado, por meio de emenda constitucional.
Lenio Streck ressalta que os juristas e operadores do Direito têm um papel fundamental na garantia dos preceitos constitucionais em contextos de crise, pois são os vigilantes da Constituição: “não se pode confundir um Estado de emergência sanitária com uma exceção do Estado Democrático de Direito e cabe a nós, da comunidade jurídica, sermos vigilantes”. As violações a direitos humanos causadas pelos regimes ditatoriais nazifascistas e no período da Segunda Guerra Mundial nos deram essa lição: é o Direito que deve filtrar a política, a moral, a economia, e não o contrário[4]. Não se pode permitir, portanto, a adoção de medidas de emergência no contexto da pandemia do COVID-19 com a finalidade de supressão ou redução de direitos fundamentais trabalhistas, em verdadeiro processo desconstituinte[5].
Esta posição ficou bem evidenciada na Nota Técnica sobre a Medida Provisória n. 936/2020 editada pelo Ministério Público do Trabalho em 20 de abril de 2020, ressaltando a necessidade de se observarem os limites constitucionais:
"Por mais grave e excepcional que seja a presente crise, ao menos as balizas constitucionais e supralegais hão de ser respeitadas pelo legislador ordinário e, notadamente, pela Chefia do Poder Executivo Federal na edição de Medidas Provisórias emergenciais[6]."
Não por acaso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por meio da Resolução n. 1/2020, de 10 de abril de 2020, intitulada “Pandemia e Direitos Humanos nas Américas”, exorta os Estados-membros, entre eles o Brasil, em seu item 5, a assegurarem o respeito aos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais de sua população. Ademais, recomenda que os Estados-membros garantam rendas e meios de subsistência a todos os trabalhadores, priorizando a proteção dos empregos, dos salários, da liberdade sindical e da negociação coletiva, bem como outros direitos, laborais e sindicais. Os Estados também devem exigir que as empresas respeitem os direitos humanos e sejam responsabilizadas por possíveis abusos e impactos negativos sobre esses últimos, inclusive em relação aos trabalhadores[7].
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) também emitiu a Declaração n. 1/20, de 09 de abril de 2020, relativa à “COVID-19 e direitos humanos: os problemas e desafios devem ser abordados a partir de uma perspectiva de direitos humanos e com respeito às obrigações internacionais”[8]. Nesse documento, a Corte recomenda que as medidas de enfrentamento à pandemia global causada pelo coronavírus COVID-19 sejam “tomadas no âmbito do Estado de Direito, em plena observância aos instrumentos interamericanos de proteção dos direitos humanos e à jurisprudência deste Tribunal”. A Corte IDH exorta os Estados-membros a terem “o cuidado para que se preservem os postos de trabalho e se respeitem os direitos trabalhistas de todos os trabalhadores e trabalhadoras”.
Desse modo, não podem ser adotadas medidas de enfrentamento à pandemia causada pelo COVID-19 que violem os tratados firmados no âmbito da OEA e ratificados pelo Brasil, como o Pacto de São José da Costa Rica e o Protocolo de San Salvador, e, portanto, que não respeitem os direitos dos trabalhadores, como a garantia da negociação coletiva prévia à dispensa em massa. Os direitos sociais baseiam-se na solidariedade e esta é fundamental para o enfrentamento de qualquer pandemia, inclusive daquela atual causada pelo COVID-19[9].
2. A dispensa em massa e a reforma trabalhista
Até o ano de 2017, momento em que a reforma trabalhista foi elaborada, aprovada e promulgada, a dispensa coletiva não era regulamentada de maneira específica pelo ordenamento jurídico brasileiro, que regulava apenas a dispensa individual. Não havendo, no Direito pátrio, uma distinção entre os dois tipos de dispensa, o empregador poderia efetuá-la por qualquer motivo, ou mesmo sem motivo, independentemente do número de trabalhadores envolvidos, devendo pagar-lhes tão somente a indenização calculada sobre os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Apesar da omissão legislativa, o fenômeno das dispensas coletivas, isto é, daquelas que envolvem um grande número de empregados e são ocasionadas por razões ligadas à empresa, sempre ocorreu no Brasil. A dispensa coletiva reveste-se de uma importância particular, por afetar um grupo considerável de trabalhadores e gerar consequências para a própria sociedade. Desse modo, ela deve ser regulamentada de forma adequada, seja para evitar as dispensas, seja para reduzir o número de empregados envolvidos, seja para atenuar os seus efeitos, ressarcindo os obreiros dispensados e auxiliando-os a encontrar outro posto de trabalho, prevenindo, assim, conflitos maiores.
Face à omissão legislativa, a jurisprudência, embora timidamente e apenas duas décadas após a promulgação da Constituição Federal de 1988, começou a interpretá-la no sentido de extrair uma diferenciação de tratamento para a dispensa coletiva. No dissídio coletivo relativo à despedida maciça de empregados pela EMBRAER causada por graves dificuldades econômicas, a Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por maioria, firmou o entendimento, aplicável a situações futuras à data do julgamento (10.08.2009), de que a negociação coletiva com o sindicato profissional é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, a fim de atenuar os seus efeitos sociais e econômicos[10].
Com o advento da reforma trabalhista (Lei n. 13.467/2017), a dispensa coletiva passou a ser regulamentada, de maneira parcial e parca, pelo ordenamento jurídico brasileiro, por meio do art. 477-A da CLT, que assim dispõe: “as dispensas individual, plúrima e a coletiva, equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical, ou de celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.
Esse dispositivo legal, no entanto, apenas prevê que não é necessária a autorização do sindicato, o que jamais foi exigido, não mencionando em momento algum que não é necessária a negociação coletiva prévia.
Em verdade, não se compreende por que o legislador decidiu se referir a uma “autorização prévia de entidade sindical” para a dispensa coletiva, já que tal hipótese não era sequer aventada.
Cumpre notar que o propósito maior da reforma trabalhista, insistentemente mencionado pelos seus defensores, é o de valorizar e fortalecer o papel das negociações coletivas, o que coincide com os fundamentos da jurisprudência produzida pelos tribunais trabalhistas com relação ao tema da dispensa coletiva.
De fato, na justificativa do Substitutivo apresentado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, sob a relatoria do deputado federal Rogério Marinho, que viria a se transformar na Lei 13.467, consta o propósito da nova Lei:
"O projeto em análise tem por objetivo aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores. (...) propõe-se que haja um fortalecimento da negociação coletiva. (...) Um dos pilares do projeto encaminhado para apreciação por esta Casa Legislativa é a possibilidade de que a negociação coletiva realizada por entidades representativas de trabalhadores e empregadores possa prevalecer sobre normas legais, em respeito à autonomia coletiva da vontade. (...) o foco que se almeja com a presente reforma é a expansão das condições de negociação dos sindicatos diante das rígidas regras da CLT, sem comprometer os direitos assegurados aos trabalhadores."
E é exatamente isso que se assegura, por meio da jurisprudência pacífica do TST: prestigia-se a autonomia coletiva, e garante-se que um problema de contornos inconfundivelmente coletivos seja resolvido com a valorização da negociação entre empresas e sindicatos.
Assim, a única interpretação possível para o art. 477-A da CLT, compatível com os propósitos do novo diploma, é o condicionamento das dispensas coletivas à prévia negociação, a fim de que os seus impactos negativos sejam atenuados.
Ressalta-se que, caso a redação do dispositivo legal fosse outra, e ele de fato afastasse a necessidade de prévia negociação coletiva, isso apenas conduziria, forçosamente, ao reconhecimento de sua incompatibilidade com a Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido foi o entendimento adotado na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada recentemente em Brasília pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA), na qual foi aprovado o seguinte enunciado:
"57. DISPENSA COLETIVA: INCONSTITUCIONALIDADE
O ART. 477-A DA CLT PADECE DE INCONSTITUCIONALIDADE, ALÉM DE INCONVENCIONALIDADE, POIS VIOLA OS ARTIGOS 1º, III, IV, 6º, 7º, I, XXVI, 8º, III, VI, 170, CAPUT, III E VIII, 193, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMO TAMBÉM O ARTIGO 4º DA CONVENÇÃO Nº 98, O ARTIGO 5º DA CONVENÇÃO Nº 154 E O ART. 13 DA CONVENÇÃO Nº 158, TODAS DA OIT. VIOLA, AINDA, A VEDAÇÃO DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE E DE RETROCESSO SOCIAL. AS QUESTÕES RELATIVAS À DISPENSA COLETIVA DEVERÃO OBSERVAR: A) O DIREITO DE INFORMAÇÃO, TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO DA ENTIDADE SINDICAL; B) O DEVER GERAL DE BOA FÉ OBJETIVA; E C) O DEVER DE BUSCA DE MEIOS ALTERNATIVOS ÀS DEMISSÕES EM MASSA."
A realização de uma dispensa em massa sem negociação coletiva prévia com o sindicato profissional também viola o dever de informação, que é um dos corolários naturais da boa-fé objetiva contratual. Conforme ressaltado na decisão do Magistrado Danilo Gonçalves Gaspar, que concedeu a liminar na ação civil pública n. 0000673-48.2019.5.05.0006 ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho:
"Nos termos do art. 113 do CC/2002, aplicável ao Direito do Trabalho por força do art. 8º da CLT, 'Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração'. Ademais, §1º, III, do referido artigo, com redação dada pela Lei n. 13.874/2019, contempla que “A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: III - corresponder à boa-fé'. Por sua vez, prevê o art. 422 do CC/2002, também aplicável ao Direito do Trabalho por força do art. 8º da CLT, que 'Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé'. Desse modo, verifica-se que a boa-fé objetiva é um dos elementos integrantes e norteadores do contrato, inclusive do contrato de trabalho, exigindo dos sujeitos contratantes um comportamento leal e escorreito, não apenas durante a formação, como também durante a execução, o cumprimento, do contrato. Baseia-se, portanto, a boa-fé objetiva, na noção de comportamento ético, na ideia de lealdade e confiança, sendo sua violação (extrapolação dos limites impostos pela boa-fé) considerado abuso de direito e, portanto, ao ilícito (art. 187 do CC/2002). É justamente a partir dessa cláusula geral de boa-fé que se desdobram diversos direitos e deveres dos contratantes, entre os quais se destaca o dever de informação."
Também deve ser aferida a compatibilidade do art. 477-A da CLT com os instrumentos internacionais, o que significa realizar o denominado controle de convencionalidade.
3. O controle de convencionalidade do artigo 477-A da CLT
No âmbito do controle de convencionalidade, destaca-se a recente sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Lagos del Campo vs. Peru, em 31 de agosto de 2017, que condenou o Estado do Peru face à conclusão de que a estabilidade laboral é um direito protegido nos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos, estando os Estados signatários obrigados a proteger os trabalhadores contra as dispensas indevidas. Foram reafirmados os princípios da progressividade, da vedação ao retrocesso social e da proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária, em relação a todos os países que compõem o sistema interamericano de direitos humanos, entre os quais o Brasil.
Destarte, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em interpretação harmônica e sistemática da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) -, da qual o Brasil é signatário, tendo-a promulgado por meio do Decreto n. 678, de 1992 -, considerou que os seus artigos 26 e 29 resguardam, tanto o direito à progressividade social, quanto a proteção do emprego contra a despedida arbitrária.
Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o estatuto da supralegalidade aos tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil, consoante decisão de seu órgão plenário de 03.12.2008, (HC 87.585/TO e RE 466.343/SP). Nesse sentido, a lei ordinária não pode contrariar as normas internacionais. A eficácia supralegal é estendida até mesmo às normas internacionais que não tratam de direitos humanos.
Assim, deve-se adotar uma interpretação que torne o disposto no artigo 477-A da CLT compatível com o ordenamento transnacional, em sede de controle de convencionalidade, que se impõe a todos os membros do Poder Judiciário brasileiro.
Com efeito, o Poder Judiciário nacional, inclusive os juízes de primeira instância, tem a obrigação jurídica de realizar o controle de convencionalidade das leis internas ex officio, por serem agentes estatais vinculados às normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Devem os magistrados, portanto, deixar de aplicar as normas internas que contraponham esse último. Essa obrigação jurídica decorre do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988, bem como de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil (artigo 2.2 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, da ONU; artigos 1º e 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, da OEA; e artigo 2º do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1988, da OEA). Tal entendimento, inclusive, já foi consagrado pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição foi reconhecida pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 89, de 1998[11].
Ressalta-se, ainda, a Convenção n. 158 da OIT, relativa ao “Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador”. Esse tratado internacional foi aprovado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 68, de 1992, e promulgado pelo Decreto n. 1.855, de 1996, tendo sido, no entanto, denunciado de forma unilateral e inconstitucional pelo Presidente da República à época, por meio do Decreto n. 2.100/1996, o que é objeto da ADI n. 1.625, pendente de julgamento pelo STF[12]. Tal Convenção, em seu art. 13, prevê que o empregador “oferecerá aos representantes dos trabalhadores interessados, o mais breve que for possível, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as consequências adversas de todos os términos para os trabalhadores interessados”. Assim, o art. 13 da Convenção n. 158 prevê a necessidade de participação dos representantes dos trabalhadores na dispensa em massa.
Considerando que a denúncia unilateral da Convenção 158 da OIT é inconstitucional, não sendo, portanto, válida, esse tratado internacional permanece em vigor na ordem jurídica brasileira[13], podendo ser utilizado como parâmetro para o controle de convencionalidade do art. 477-A da CLT. Também podem ser utilizados como parâmetros para essa finalidade o art. 4º da Convenção 98 e o art. 5º da Convenção 154, ambas da OIT e ratificadas pelo Brasil, os quais consagram a importância e a valorização da negociação coletiva[14].
Desse modo, em consonância com o disposto no art. 13 da Convenção n. 158, art. 4º da Convenção 98 e art. 5º da Convenção 154, todas da OIT, bem como nos arts. 26 e 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, consoante a interpretação autêntica adotada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Lagos del Campo vs. Peru, em sede de controle de convencionalidade, deve o art. 477-A da CLT ser interpretado no sentido de que não eliminou do ordenamento jurídico pátrio a necessidade da negociação coletiva prévia para a validade da dispensa em massa.
O entendimento ora defendido foi adotado pela Seção de Dissídios Coletivos do TRT da 15ª Região, no julgamento do mandado de segurança n. 0008367-78.2017.5.15.0000, tendo mantido, por unanimidade (doze votos a zero), a liminar concedida em primeiro grau nos autos da ação civil pública n. 0012176-33.2017.5.15.0079 ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), determinando à ré, Raízen Energia S.A., a reintegração de todos os seus empregados dispensados em massa sem prévia negociação coletiva com o sindicato profissional.
Tal entendimento também foi adotado em decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que concedeu liminar no mandado de segurança n. 0011778-65.2017.5.03.0000, impetrado pelo Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais nos autos da ação civil pública n. 0011794-49.2017.5.03.0184 por ele ajuizada em face da Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá Ltda.
Do mesmo modo, no julgamento da ação civil pública n. 1000446-88.2018.5.02.0061, o Juízo da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, em sentença proferida em 25.09.2018, complementada pela sentença dos embargos de declaração de 03.12.2018, adotou o mesmo entendimento e julgou procedentes em parte os pedidos formulados pelo MPT e pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (atuando na qualidade de assistente litisconsorcial). A sentença foi confirmada pelo TRT da 2ª Região em acórdão prolatado em 20.08.2019.
4. A dispensa em massa e o Direito comparado
No que tange à conceituação da dispensa coletiva, pode-se recorrer ao Direito comparado, o qual é fonte formal subsidiária do Direito brasileiro, nos termos do art. 8º, caput, da CLT.
Nesse sentido, a Diretiva n. 59, de 1998, da União Europeia, em seu artigo 1º, considera como dispensa coletiva quando forem desligados "num período de 90 dias, no mínimo 20 trabalhadores, qualquer que seja o número de trabalhadores habitualmente empregados nos estabelecimentos em questão" (art. 1º).
Na Itália, a Lei n. 223, de 1991, prevê que a dispensa coletiva se configura quando o empregador que possua mais de quinze empregados, em consequência de uma redução ou transformação da atividade ou do trabalho, efetue, no mínimo, cinco dispensas, no lapso de 120 dias, em cada unidade produtiva, ou em mais unidades produtivas, desde que situadas no âmbito territorial de uma mesma província (art. 24).
Na França, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 10 empregados no período de 30 dias (art. L1233-46 do Código do Trabalho).
Na Espanha, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 30 empregados nas empresas que ocupam 300 ou mais trabalhadores (art. 51).
Em Portugal, há dispensa coletiva quando o empregador, simultânea ou sucessivamente, no período de três meses, proceda ao desligamento de, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro (art. 359 do Código do Trabalho).
Na Dinamarca, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 30 trabalhadores em empresas que normalmente empregam no mínimo 300 empregados (Lei sobre as Dispensas Coletivas, que repete os critérios previstos na Diretiva n. 59, de 1998, da União Europeia)[15].
Na Finlândia, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 10 trabalhadores em empresas que empregam no mínimo 20 empregados (Lei sobre as Dispensas Coletivas, que repete os critérios previstos na Diretiva n. 59, de 1998, da União Europeia)[16].
Na Inglaterra, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 20 empregados, nos termos do “Collective Redundancies and Transfer of Undertakings (Protection of Employment) (Amendment) Regulations” [17].
Nos Estados Unidos, há dispensa coletiva quando são desligados ao menos 50 empregados, em empresas que ocupam no mínimo 100 trabalhadores, no período de 30 dias, conforme o ““Worker Adjustment and Retraining Notification Act” [18].
No Japão, há dispensa coletiva quando são desligados mais 30 empregados no período de 1 mês, conforme o ““Worker Adjustment and Retraining Notification Act” [19].
Cumpre notar que o Direito comparado, mais especificamente, o Código do Trabalho de Portugal, foi citado expressamente nas decisões do TRT-3 e do TRT-2, acima referidas, para fins de caracterização da dispensa coletiva, com fundamento no artigo 8° da CLT.
As normas do Direito comparado acima vistas caminham na mesma direção: arrolam os elementos fáticos-jurídicos de uma dispensa coletiva, trazendo os critérios quantitativos, qualitativos e temporais; determinam que a dispensa em massa deve ser precedida de negociação coletiva prévia como condição de validade e estabelecem que a dispensa em massa se encontra sob o controle do Poder Judiciário.
Foram justamente o Direito comparado (art. 8º, caput, da CLT), as normas constitucionais e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil que fundamentaram o precedente constituído nos autos do dissídio coletivo n. 0309/2009 no âmbito do TST, como vimos[20]. Por isso, ele deve continuar a ser aplicado, no sentido de a negociação coletiva prévia ser requisito de validade da dispensa coletiva, sob pena de reintegração dos empregados desligados.
5. Considerações sobre a negociação coletiva
Por outro lado, a negociação coletiva, para ser considerada como tal, e, portanto, para ser válida, deve necessariamente implicar a transação, isto é, concessões recíprocas por parte dos sujeitos envolvidos na negociação. Conforme ensina Mauricio Godinho Delgado:
"A negociação coletiva é um dos mais importantes métodos de solução de conflitos existentes na sociedade contemporânea. (...) A negociação coletiva enquadra-se, como citado, no grupo das fórmulas autocompositivas. Contudo, é fórmula autocompositiva essencialmente democrática, gerindo interesses profissionais e econômicos de significativa relevância social. Por isso não se confunde com a renúncia e muito menos com a submissão, devendo cingir-se, essencialmente, à transação (por isso fala-se em transação coletiva negociada). (...) Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia (e não transação). É que ao processo negocial coletivo falece poderes de renúncia sobre direitos de terceiros (isto é, despojamento unilateral sem contrapartida do agente adverso). Cabe-lhe, essencialmente, promover transação (ou seja, despojamento bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos), hábil a gerar normas jurídicas."[21]
Consoante diversos precedentes do Comitê de Liberdade Sindical da OIT, o objetivo da negociação coletiva, nos termos da Convenção n. 154 da OIT, é melhorar as condições de vida e de trabalho daqueles que o sindicato representa. Assim, não há negociação coletiva com renúncia a direitos mínimos assegurados em lei. Do mesmo modo, não há real negociação coletiva sem a previsão de contrapartidas adequadas, concessões mútuas, entre as partes estipulantes. Nesse sentido, vejam-se as seguintes decisões do Comitê de Liberdade Sindical da OIT:
"881. O direito de negociar livremente com empregadores a respeito das condições de trabalho constitui um elemento essencial da liberdade de associação, e sindicatos deveriam ter o direito, pela via da negociação coletiva e outros meios legais, de procurar melhorar as condições de vida e de trabalho daqueles que o sindicato representa."[22]
"A negociação coletiva, que implica um processo de concessões mútuas e uma certeza razoável de que se manterão os compromissos negociados, ao menos durante o convênio, já que este é resultado de compromissos contraídos por ambas as partes sobre certas questões, e de certas demandas de negociações deixadas de lado de forma a obter outros direitos aos quais se deu maior prioridade pelos sindicatos e seus membros.[...]"[23]
Portanto, à luz das Convenções n. 98 e 154 da OIT e da interpretação autêntica realizada pelo Comitê de Liberdade Sindical, pelo Comitê de Peritos e pelo Departamento de Normas da OIT, a negociação coletiva, para ser considerada como tal, deve visar à melhoria da proteção social dos trabalhadores e deve prever contrapartidas adequadas, concessões mútuas, entre as partes estipulantes.
Em virtude do status supralegal das Convenções n. 98 e 154 da OIT, o art. 477-A da CLT deve ser interpretado nesse sentido, isto é, que não há verdadeira negociação coletiva e -, portanto, a dispensa em massa é inválida -, se o seu objetivo é apenas a redução da proteção mínima prevista em lei, ou se não são estabelecidas contrapartidas adequadas.
Por outro lado, no Direito do Trabalho vige o princípio da primazia da realidade sobre a forma, consagrado, na ordem jurídica brasileira (arts. 9º e 442, caput, da CLT). Segundo tal princípio -, que goza de vigência universal, segundo a OIT[24]-, deve-se dar maior importância aos fatos do que à forma; a essência se sobrepõe à aparência.
Desse modo, a realização de algumas reuniões pela empresa com o sindicato profissional, ou a tentativa de impor-lhe uma proposta unilateral, sem aceitar modificá-la frente a contrapropostas apresentadas pelo ente sindical, não corresponde a uma verdadeira negociação coletiva, pois não implica real transação (concessões recíprocas). Ademais, a apresentação pela empresa de uma proposta que implique a redução da proteção mínima prevista em lei (por exemplo, o pagamento das verbas rescisórias dos trabalhadores dispensados em diversas parcelas e sem correção monetária), não pode ser considerada como negociação coletiva.
Por fim, cumpre notar que a existência de supostos prejuízos em seus balanços patrimoniais não exime a empresa de realizar a negociação coletiva antes de efetuar a dispensa coletiva. O empregador deve assumir todos os riscos da atividade econômica empreendida, nos termos do art. 2º da CLT (princípio da alteridade), não podendo transferi-los unilateralmente aos trabalhadores.
Há de se ressaltar, ainda, a inconstitucionalidade do art. 477-A da CLT, já que o art. 7, inciso I, da Constituição da República determina que o direito à proteção contra a dispensa deve ser regulamentado por lei complementar. Sendo a Lei n. 13.467/2017 uma lei ordinária, torna-se clara a inconstitucionalidade do art. 477-A da CLT. Destaca-se, ainda, que o art. 477-A da CLT também viola o art. 8, inciso III, da Carta Magna, o qual prevê a participação obrigatória dos sindicatos na defesa nos interesses coletivos e individuais da categoria.
Desse modo, em conformidade com as normas constitucionais e os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, o art. 477-A da CLT deve ser interpretado no sentido de que é necessária a negociação coletiva prévia para a validade da dispensa em massa.
6. A dispensa em massa no contexto da pandemia do COVID-19
Em razão ou a pretexto da pandemia do COVID-19, várias empresas vêm procedendo à dispensa em massa de seus empregados. Primeiramente, como acima exposto, a dispensa coletiva é inválida se não for precedida de negociação coletiva com o sindicato profissional. Ademais, as MPs n. 927/2020 e n. 936/2020 previram mecanismos, tais como a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, o banco de horas, a redução da jornada e do salário e a suspensão do contrato de trabalho, os quais, pelo fato de manterem em vigor o contrato de trabalho, são menos prejudiciais aos obreiros do que a dispensa. Desse modo, deve a empresa comprovar também a impossibilidade de adoção desses mecanismos, sob pena da invalidade da dispensa em massa praticada, em razão do abuso do direito, o qual torna o ato ilícito (art. 187 do Código Civil c/c art. 8, §1º, da CLT).
A dispensa de trabalhadores deve ser, portanto, a última alternativa a ser adotada pela empresa, por configurar a consequência mais gravosa entre as opções previstas nas medidas provisórias acima referidas. Ademais, cabe atenção especial à exposição de motivos das MPs n. 927 e n. 936, já que indicam as linhas diretivas de justificação da produção normativa no contexto da crise sanitária decorrente da pandemia da COVID-19. Vejamos o que diz trecho da exposição de motivos da MP n. 927/2020[25]:
"3. As medidas de isolamento e de quarentena necessárias à contenção da transmissão do vírus e, consequentemente, à redução no número de casos da doença Covid-19 e de mortes, provocam um forte impacto no setor produtivo e nas relações de trabalho, considerando as normas trabalhistas vigentes. Como forma de mitigar os danos à economia, são apresentadas uma série de medidas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservar o emprego e a renda durante esse período.
4. A edição de uma Medida Provisória se justifica em função da necessidade de implementação de medidas urgentes e imediatas de isolamento dos trabalhadores em suas residências, com a manutenção, na medida do possível, dos vínculos trabalhistas, com segurança jurídica." (grifos nossos)
Esse entendimento consta expressamente na Diretriz Orientativa sobre a Medida Provisória n. 927/2020 - Força Maior e seus Efeitos nos Contratos de Trabalho, editada pelo Ministério Público do Trabalho em 05.05.2020. Confira-se:
"8. Na hipótese de dispensa coletiva, a qual deve ser precedida de outras medidas de garantia de emprego e renda e somente ser adotada como ultima ratio, recomendam-se também os parâmetros constantes na Orientação nº 6 da Conalis, segundo a qual, 'considerando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da democracia nas relações de trabalho e da solução pacífica das controvérsias (preâmbulo da Constituição Federal de 1988), do direito à informação dos motivos ensejadores da dispensa massiva e de negociação coletiva (art. 5º, XXXIII e XIV, art. 7º, I e XXVI, e art. 8º, III, V e VI), da função social da empresa e do contrato de trabalho (art. 170, III e Cód. Civil, art. 421), bem como os termos das Convenções ns. 98, 135, 141 e 151, e Recomendação nº 163 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a dispensa coletiva será nula e desprovida de qualquer eficácia se não se sujeitar ao prévio procedimento da negociação coletiva de trabalho com a entidade sindical representativa da categoria profissional'." (grifos nossos)
Como observado pela Magistrada Elaine Cristina Dias Ignacio Arena, na decisão de concessão de liminar na ação civil pública n. 0000252-41.2020.5.12.0002 ajuizada pelo MPT, “a dispensa coletiva dos empregados, sem ao menos demonstrar que efetivamente adotaram as medidas permitidas pelo governo por meio da edição de MP nº 936/2020 com a finalidade de manutenção dos contratos, se mostra desarrazoada, desproporcional e potencializa o estado de miserabilidade social”. A MM. Juíza destacou, ainda, a necessidade de observância da função social da propriedade, pois as empresas demandadas utilizam recursos disponibilizados pelo BNDES nas atividades de fomento, “o que gera uma expectativa de contraprestação, socialmente falando, ainda maior por parte das rés”. Tal decisão, no entanto, foi suspensa em decisão monocrática, a nosso ver equivocada, proferida pelo TRT da 12ª Região em mandado de segurança impetrado pelas rés.
Salienta-se que o MPT, na ação civil pública n. 0010532-08.2020.5.15.0093 ajuizada em face do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), requereu a condenação desse último para que condicione o deferimento da suspensão do pagamento de financiamentos, em operações diretas e indiretas, anunciada no dia 22 de março de 2020, ao reconhecimento, pelo cliente interessado no benefício, da obrigação, a ser assumida contratualmente, de preservar o número de empregados na empresa, durante o período em que perdurar o benefício. Com efeito, conforme matéria veiculada no sítio institucional do próprio BNDES, o objetivo principal dessa medida de suspensão do pagamento de financiamentos, calculada em 30 bilhões de reais, é a preservação de contratos de trabalho (empregos) no país, durante o momento de crise atual, com o escopo de “manter mais de 2 milhões de empregos”[26].
O BNDES, todavia, se recusou a condicionar a suspensão de pagamento de financiamentos à obrigação, a ser assumida pela empresa interessada em tal benefício, em manter o número de empregos. O referido banco, portanto, recusou-se a observar aquilo que ele próprio anunciou publicamente como indispensável e fundamental, no bojo da crise gerada pela pandemia, que é a preservação dos empregos, o que ensejou o ajuizamento da referida ação civil pública do MPT. Tal ação, no momento em que se escreve este artigo, encontra-se em grau de recurso em virtude da declaração, a nosso ver equivocada, pelo juízo de primeiro grau da incompetência material da Justiça do Trabalho para julgá-la.
Como também observado pelo Magistrado Marcelo Carlos Ferreira, na decisão de concessão de liminar na ação civil pública n. 0010493-35.2020.5.15.0085, ajuizada pelo sindicato profissional, “a própria miríade de Medidas Provisórias aplicáveis às relações de trabalho em período de Pandemia do COVID-19, patentemente questionáveis quanto à constitucionalidade, seja em sua dimensão nomodinâmica, seja em sua dimensão nomoestática, editadas por governo de visão algo distorcida e francamente liberal, não prevê como solução a mera dispensa dos empregados, procurando, em verdade, a manutenção dos postos de trabalho a partir da redação de diversas alternativas prévias”. No julgamento do mandado de segurança n. 0006324-66.2020.5.15.0000, o Desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, do TRT da 15ª Região, manteve a referida decisão, tendo ressaltado o seguinte:
"Na hipótese, a despedida coletiva de empregados da impetrante ocorreu de forma repentina, arbitrária, embora sob o período da crise, sem qualquer negociação coletiva, em momento de transe do País, do orbe, é dizer, quando esta é mais ainda necessária. Caso se queria levar a questão à ótica das MPs 927 e 936, havia ser demonstrado, cabalmente, além da implementação, mormente a insuficiência de mecanismos alternativos. (...) o interesse patronal, particular, nesse momento de aflição nacional e internacional, de não ter lucro ou mesmo algum prejuízo (desde que não comprove ser insuportável sob o ângulo não só financeiro, mas também econômico), não há como prevalecer, em prejuízo do interesse social na manutenção dos vínculos de emprego, dos que, ainda que com algum esforço, possam ser mantidos. Não se pode concluir que a redução dos pedidos decorrentes da Covid-19, simplesmente, inviabiliza a atividade da empresa e o cumprimento das obrigações trabalhistas, e aqui de invocar, também, o artigo 2ª, do Diploma Consolidado!"
Cumpre notar que a perda de emprego, fonte de subsistência do trabalhador e de sua família, se já é demasiadamente grave e prejudicial em qualquer circunstância, torna-se ainda mais nociva no período da pandemia do COVID-19 pela extrema dificuldade em se obter um novo posto de trabalho em razão da suspensão ou redução das atividades econômicas e do isolamento social. Como ressaltado pela Magistrada Angela Maria Konrath, nos autos da ação civil pública n. 0000399-37.2020.5.12.0012 ajuizada por sindicato profissional:
"(...) a pandemia que assola o mundo nos nossos dias apela para a solidariedade, para a responsabilidade social, e não para o abandono. São tempos difíceis, de dúvidas, de incertezas que envolvem todas as pessoas do mundo, pois não há blindagem contra o vírus que se espalha e mata, e vitimiza sempre os mais vulneráveis. É inegável a precipitação do empregador que rompe os contratos de trabalho, até mesmo desprezando as demais alternativas viáveis sinalizadas pelo Executivo, em questionáveis Medidas Provisórias editadas para contornar o drama vivenciado por quem vive do trabalho diante das políticas de contenção ao novo Coronavírus, sendo que nenhuma das alternativas propostas pelo Governo Federal aponta para a rescisão contratual. (...) Não fora isso e a despedida em massa seria passível de questionamento, porquanto não precedida de negociação coletiva. (...) Negar o trabalho e desprezar o diálogo social significa negar a própria possibilidade de sobrevivência de quem depende do esforço diário para prover seu sustento, o que se eleva em grau de perversidade quando a pessoa é despedida num momento em que está impedida de sair de casa para contenção de um vírus fatal que assola o mundo e sem negociar alternativas com o Sindicato para as pessoas que serão atingidas. O que poderia ser mais cruel que isso?"
Na referida decisão, a MM. Juíza concedeu a liminar requerida pelo sindicato e determinou a reintegração imediata dos trabalhadores desligados em razão do COVID-19 e que a empresa se abstenha de rescindir os contratos de trabalho de seus empregados durante a pandemia.
Por meio do Decreto n. 9.654, de 23 de abril de 2020, o Governo do Estado de Goiás suspendeu a fruição de benefícios fiscais concedidos a empresas nos casos de dispensa sem justa causa ou suspensão do contrato de trabalho de empregados enquadrados no grupo de risco para infecção pelo COVID-19. Tais trabalhadores são aqueles que possuem uma ou mais das seguintes condições: idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, cardiopatias graves ou descompensados (insuficiência cardíaca, cardiopatia isquêmica); pneumopatias graves ou descompensados (asma moderada/grave, doença pulmonar obstrutiva crônica); imunodepressão; doenças renais crônicas em estágio avançado (graus 3, 4 e 5); diabetes mellitus, conforme juízo clínico; doenças cromossômicas com estado de fragilidade imunológica e gestação de alto risco[27].
Interessante observar, também, decisão prolatada no bojo de ação ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Intermunicipais de Transportes Rodoviários no Estado da Bahia (processo n. 0000212-51.2020.5.05.0003), em que a Magistrada Isabella Borges de Araújo, da 3ª Vara do Trabalho de Salvador, reverteu a dispensa de trabalhadores que fora fundamentada na teoria do fato do príncipe, prevista no artigo 486 da CLT. Em sua decisão, a MM. Juíza deixou consignado o seguinte:
"Assim, sem adentrar propriamente na questão da legitimidade das despedidas coletivas e necessidade de negociação coletiva, para que sejam válidas, questão disciplinada pelo art. 477 –A da CLT, reputo que assiste razão ao sindicato autor quanto à plausibilidade de com fulcro no fato do príncipe, reintegração de empregados dispensados com vistas a viabilizar adesão ao programa emergencial instaurado pela MP936/2020 com vistas à manutenção de empregos.
Ainda, defiro concessão de tutela inibitória para que a ré se abstenha de promover dispensas enquanto mantido o benefício emergencial concedido pelo Governo em virtude da pandemia atual (MP 936/2020), pois reputo que a suspensão contratual nesse momento é medida idônea a manter empregos e amenizar os prejuízos econômicos de empresas."
Cumpre notar que diversos países, tais como a Argentina (Decreto de Emergência Pública n. 329/2020), a Espanha (Real Decreto-ley 9/2020) e a Itália (Decreto-lei n. 18, de 17 de março de 2020, denominado Decreto Cura Italia, o qual foi convertido, com modificações, na Lei n. 27, de 24 de abril de 2020), de maneira explícita e direta proibiram a dispensa de trabalhadores durante a pandemia.
No Brasil, José Eduardo de Resende Chaves Júnior e Paulo Eduardo Queiroz Gonçalves sustentam que o parágrafo 3° do artigo 3° da Lei 13.979/2020 dispõe que as faltas ao trabalho decorrentes das medidas previstas no mesmo artigo, como o isolamento e a quarentena, serão consideradas justificadas. Desse modo, os trabalhadores sujeitos a isolamento e quarentena têm abonadas, legalmente, suas ausências ao trabalho. No Direito do Trabalho, as faltas abonadas pelo legislador são consideradas, tecnicamente, como interrupção do contrato de trabalho, de maneira que o empregado não presta os seus serviços, mas recebe a sua remuneração, e não pode ser dispensado sem justa causa pelo empregador (art. 471 da CLT). Nesse sentido, não poderiam ser dispensados imotivadamente “não somente os trabalhadores doentes ou os suspeitos de contaminação, mas todos os trabalhadores, desde que trabalhem para empresas atingidas por restrição ou fechamento decorrente de atos dos poderes públicos” [28].
7. Considerações finais
O artigo 477-A da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), deve ser interpretado à luz das normas constitucionais vigentes, dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho.
Nesse sentido, a única interpretação possível, especialmente em sede de controle de convencionalidade, é a de que a negociação coletiva prévia é imprescindível para a validade da dispensa em massa. Para a conceituação da dispensa coletiva, pode-se recorrer ao Direito comparado, o qual, por força do 8º, caput, da CLT, é fonte formal subsidiária do Direito brasileiro. Tal entendimento já foi adotado por tribunais trabalhistas pátrios, inclusive após a vigência da reforma trabalhista.
Por outro lado, não há verdadeira negociação coletiva e -, portanto, a dispensa em massa é inválida -, se o seu objetivo é apenas a redução da proteção mínima prevista em lei, ou se não são estabelecidas contrapartidas adequadas. Tal entendimento encontra-se em conformidade com as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, inclusive com a sua interpretação autêntica realizada pelo Comitê de Liberdade Sindical, pelo Comitê de Peritos e pelo Departamento de Normas da OIT.
No contexto atual de pandemia causada pelo COVID-19, o empregador também deve comprovar cabalmente a impossibilidade de adoção das medidas alternativas previstas nas Medidas Provisórias n. 927/2020 e n. 936/2020, que asseguram a manutenção do contrato de emprego, sob pena de invalidade da dispensa coletiva, a qual, portanto, somente pode ser realizada como ultima ratio.
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[1] Essa questão é tratada no seguinte artigo publicado também nesta Revista: PORTO, Lorena Vasconcelos. Medidas Provisórias n. 927/2020 e 936/2020: negociação coletiva e controle de convencionalidade.
[2] Vide GOMES, Ana Cláudia Nascimento; CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Quem tem medo dos sindicatos? A redução salarial e a negociação coletiva, uma questão de pacto social. Disponível em: <https://rodrigocarelli.org/2020/04/14/quem-tem-medo-dos-sindicatos-a-reducao-salarial-e-a-negociacao-coletiva-uma-questao-de-pacto-social-artigo-de-rodrigo-carelli-e-ana-claudia-nascimento-gomes/> Acesso em 21 abril 2020.
[3] Vide SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos sociais: o problema de sua proteção contra o poder de reforma na Constituição de 1988. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 12, n. 46, p. 42-73, 2004. p. 64; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 373 e 642-645; e MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos Humanos na Ordem Jurídica Interna. Belo Horizonte: Interlivros Jurídica de Minas Gerais, 1992. p. 280.
[4] STRECK, Lenio. O papel dos operadores do Direito na garantia dos preceitos constitucionais. Entrevista concedida em 14.04.2020 à ESMPU. Disponível em: <http://escola.mpu.mp.br/a-escola/comunicacao/tv-esmpu/a-pandemia-do-coronavirus/o-papel-dos-operadores-do-direito-na-garantia-dos-preceitos-constitucionais>. Acesso em 20 abril 2020.
[5] Como ressalta Cristiano Paixão, “Em tempos de crise, que a postura seja de afirmação da Constituição, contra toda e qualquer manifestação de oportunismo desconstituinte”. PAIXÃO, Cristiano. Covid-19 e o oportunismo desconstituinte. Disponível em: <http://www.transformamp.com/covid-19-e-o-oportunismo-desconstituinte/> Acesso em 30 abril 2020.
[6] Disponível em: <https://mpt.mp.br/pgt/noticias/nota-tecnica-mp-936-versao-final-pdf-2.pdf>. Acesso em 15 maio 2020.
[7] CIDH. Resolución n. 1/2020. Pandemia y derechos humanos en las Américas (Adoptado por la CIDH el 10 de abril de 2020). Disponível em: <http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/Resolucion-1-20-es.pdf>. Acesso em 21 abril 2020.
[8] CORTE IDH. Declaración de la Corte Interamericana de Derechos Humanos 1/20 de 9 de abril de 2020. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/tablas/alerta/comunicado/declaracion_1_20_ESP.pdf>. Acesso em 21 abril 2020.
[9] Como ressalta Yuval Harari, “Sem confiança e solidariedade globais não seremos capazes de parar a epidemia do coronavírus, e é provável que enfrentemos mais epidemias desse tipo no futuro. (...) a história indica que a proteção real vem da troca de informação científica confiável e da solidariedade global”. HARARI, Yuval Noah. Na batalha contra o coronavírus, faltam líderes à humanidade. São Paulo Companhia das Letras, 2020. p. 7 e 10.
[10] TST-RODC 309/2009-000-15-00.4, Relator Min. Mauricio Godinho Delgado, data de julgamento: 10.08.2009, DEJT de 04.09.2009.
[11] Podem ser citadas, ilustrativamente, a decisão do STF no RE 466.343 (data de julgamento: 03.12.2008), bem como as seguintes decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Tribunal Constitucional Vs. Perú. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 31 de janeiro de 2001. Série C. Nº 71; Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Mérito. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C. Nº 70; Caso Paniagua Morales e outros Vs Guatemala. Mérito. Sentença de 8 de março de 1998. Série C. Nº 37; Caso Albán Cornejo e outros. Vs. Equador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de novembro de 2007. Série C. Nº 171; e Opinião Consultiva OC-14/94, sobre a responsabilidade internacional por promulgação e aplicação de leis violadoras da Convenção (arts. 1 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). In NETO, Silvio Beltramelli. Direitos humanos. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
[12] Cabe observar que esta ADI foi autuada em 19 de junho de 1997, estando tramitando, portanto, há mais de vinte anos no STF.
[13] Esse mesmo entendimento de que a Convenção 158 da OIT não foi validamente retirada da ordem jurídica brasileira foi adotado pelo Procurador-Geral da República no parecer no Recurso Extraordinário com Agravo 647.651 (caso Embraer), o qual se encontra pendente de julgamento pelo STF.
[14] A Convenção 98 da OIT foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 49, de 1952, e promulgada pelo Decreto n. 33.196, de 1953. Trata-se de uma das convenções fundamentais da OIT, relativa ao direito de organização e negociação coletiva, que prevê, em seu art. 4º, o seguinte: “Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, por meio de convenções coletivas, os termos e condições de emprego”. A Convenção 154 da OIT, por sua vez, trata do incentivo à negociação coletiva, tendo sido aprovada pelo Decreto Legislativo n. 22, de 1992, e promulgada pelo Decreto n. 1.256, de 1994. Em seu art. 5º, prevê o seguinte: “1. Deverão ser adotadas medidas adequadas às condições nacionais no estímulo à negociação coletiva. 2. As medidas a que se refere o parágrafo 1 deste artigo devem prover que: a) a negociação coletiva seja possibilitada a todos os empregadores e a todas as categorias de trabalhadores dos ramos de atividade a que se aplique a presente Convenção; b) a negociação coletiva seja progressivamente estendida a todas as matérias a que se referem os anexos a), b) e c) do artigo 2 da presente Convenção; c) seja estimulado o estabelecimento de normas de procedimento acordas entre as organizações de empregadores e as organizações de trabalhadores; d) a negociação coletiva não seja impedida devido à inexistência ou ao caráter impróprio de tais normas; e) os órgãos e os procedimentos de resolução dos conflitos trabalhistas sejam concedidos de tal maneira que possam contribuir para o estimulo à negociação coletiva”.
[15] HASSELBALCH, Ole. Denmark. International Encyclopaedia for Labour Law and Industrial Relations. v. 5. coord. Roger Blanpain. The Hague: Kluwer Law International, 2005. p. 168-170.
[16] SUVIRANTA, A. J. Finland. International Encyclopaedia for Labour Law and Industrial Relations. v. 6. coord. Roger Blanpain. The Hague: Kluwer Law International, 1999. p. 73 e ss.
[17] HONEYBALL, Simon. BOWERS, John. Textbook on Labour Law. 8ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2004. p. 222.
[18] GOLDMAN, Alvin L., WHITE, Rebecca H. United States of America. International Encyclopaedia for Labour Law and Industrial Relations. v. 14. coord. Roger Blanpain. The Hague: Kluwer Law International, 2002. p. 98.
[19] HANAMI, Tadashi A., KOMIYA, Fumito. Japan. International Encyclopaedia for Labour Law and Industrial Relations. coord. Roger Blanpain. The Hague: Kluwer Law International, 2006. p. 126 e ss.
[20] Podem ser citados, por exemplo: Convenções n. 11, 98, 135, 141 e 158 da OIT e as regras e princípios constitucionais relativos à dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CF), a valorização do trabalho e, sobretudo, do emprego (arts. 1°, IV, 6° e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5°, XXIII, e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8°, III e IV, CF).
[21] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed, São Paulo: LTr, 2017. p. 1.557-1.558 e 1.596.
[22] Tradução livre do original: “881.The right to bargain freely with employers with respect to conditions of work constitutes an essential element in freedom of association, and trade unions should have the right, through collective bargaining or other lawful means, to seek to improve the living and working conditions of those whom the trade unions represent. The public authorities should refrain from any interference which would restrict this right or impede the lawful exercise thereof. Any such interference would appear to infringe the principle that workers’ and employers’ organizations should have the right to organize their activities and to formulate their programmes.” “Freedom of Association: Digest of decisions and principles of the Freedom of Association Committee of the Governing Body of the ILO. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---normes/documents/publication/wcms_090632.pdf>. Acesso em 27 jul. 2018. In PORTO, Lorena Vasconcelos; NETO, Silvio Beltramelli; RIBEIRO, Thiago Gurjão Alves. Manual do Grupo de Trabalho de Controle de Convencionalidade do Ministério Público do Trabalho: “Temas da Lei n. 13.467/2017 (“reforma trabalhista”) à luz das normas internacionais. Brasília: Procuradoria-Geral do Trabalho, 2018.
[23] Tradução livre do original em inglês: “941.Collective bargaining implies both a give-and-take process and a reasonable certainty that negotiated commitments will be honoured, at the very least for the duration of the agreement, such agreement being the result of compromises made by both parties on certain issues, and of certain bargaining demands dropped in order to secure other rights which were given more priority by trade unions and their members. If these rights, for which concessions on other points have been made, can be cancelled unilaterally, there could be neither reasonable expectation of industrial relations stability, nor sufficient reliance on negotiated agréments”. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---normes/documents/publication/wcms_090632.pdf>. Acesso em 27 jul. 2018. In PORTO, Lorena Vasconcelos; NETO, Silvio Beltramelli; RIBEIRO, Thiago Gurjão Alves. Manual do Grupo de Trabalho de Controle de Convencionalidade do Ministério Público do Trabalho: “Temas da Lei n. 13.467/2017 (“reforma trabalhista”) à luz das normas internacionais. Brasília: Procuradoria-Geral do Trabalho, 2018.
[24] OIT. La relación de trabajo. Conferencia Internacional del Trabajo. 95a Reunião. Genebra: OIT, 2006. p. 24.
[25] A exposição de motivos da MP n. 936/2020 segue a mesma diretriz: “Assim sendo, como forma de mitigar os danos sociais e econômicos, são apresentadas opções adicionais que contribuirão para a manutenção dos vínculos empregatícios durante esse período” (grifos nossos).
[26] Disponível em: <https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/imprensa/noticias/conteudo/bndes-lanca-primeiras-medidas-para-reforcar-caixa-de-empresas-e-apoiar-trabalhadores-que-enfrentam-efeitos-do-coronavirus>. Aceso em 04 maio 2020.
[27] Disponível em: <http://diariooficial.abc.go.gov.br//ver-flip/4193/#/e:4193/p:1?find=Decreto%20n%C2%BA%209.654>. Aceso em 04 maio 2020.
[28] JÚNIOR, José Eduardo de Resende Chaves; GONÇALVES, Paulo Eduardo Queiroz. Os Trabalhadores de Atividades que Sofreram Restrição ou Fechamento por parte dos Poderes Públicos não podem ser Dispensados durante a Pandemia. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/a-grande-crise/os-trabalhadores-de-atividades-que-sofreram-restricao-ou-fechamento-por-parte-dos-poderes-publicos-nao-podem-ser-dispensados-durante-a-pandemia/>. Aceso em 04 maio 2020.